domingo, 31 de outubro de 2010

ASSIM

O dia destilado (desse lado?)
reflete no fundo
o gelo (em cubos)
com que sou recebido

dose (dosado)
em consumo de curtos
goles

de ácida vida.

(Pedro Du Bois, DESENREDOS, Ed. do Autor)

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

DESCOBERTAS

Espera a água encher o pote
para ferver na vasilha o líquido inodoro
e misturar o chá necessário e forte

faz da infusão saudade e sorte
ao conhecer no sabor o vento e morte
e espargir o líquido em suor e norte

espia na vasilha o borbulhar da água
e espera o chá esfriar no pote
ao misturar a sorte necessária e forte

faz de conta que nada vale
o olhar perdido em horizontes ao norte
e sem mirar estrelas nem usar astrolábios
apenas entrever a terra avistada em frente.

(Pedro Du Bois, DAS DISTÂNCIAS PERMANENTES, Ed. do Autor)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

A RECRIAÇÃO DA MÁGICA

A dança: passos
e compassos

corpos dançam
o instante dos encontros

dançam mundos imaginários

a dança conduz os passos
os corpos acompanham

cessada a música
parados os passos
os corpos permanecem.

(Pedro Du Bois, A RECRIAÇÃO DA MÁGICA, II, Ed. do Autor)

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

LIMA E CANHOTO

Arthur Moreira Lima
Theatro Santa Roza
Bairro do Varadouro
João Pessoa, Paraíba
Primeiro semestre de 1996
(ou teria sido em 1995?)

Pede desculpas, dedilha a teclas.
Mais da metade não respondem
ao seu toque. Ocas. Sem som.

Não havia como tocar naquela noite.
Promete voltar em setembro: desconfiança.
Risos irônicos.

No palco, em substituição,
Canhoto da Paraíba e seu violão.

Quem nunca ouviu Canhoto
morrerá sem entender ser a música
dulcíssimo céu e suas divindades.

Síntese e virtuose do som cadenciado
encadeado como feitiço feito.

Em setembro, lembrando Canhoto,
Arthur retorna: piano afinado.
Outro canhoto ou destro, tanto faz.
A noite faz-se música em nós.

(Pedro Du Bois, OS SENTIDOS SIGNIFICANTES, Ed. do Autor)

sábado, 23 de outubro de 2010

ESPAÇOS DESOCUPADOS

Busca o resultado
planando ao vento

sobre a terra
enterrado corpo
suspenso em sonhos

lembranças retificadas
na loucura momentânea
da verdade em desequilíbrio
avesso à insegurança

mudanças trazem
medos irrealizados
e a força sobreposta à perda.

(Pedro Du Bois, ESPAÇOS DESOCUPADOS, Ed. do Autor)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

CONFUSÕES

...
sobe ao pódio e avista
na platéia o passado
indissolúvel em águas
ultrapassadas na imersão
com que suas lembranças
ressurgem altaneiras
e os anos passados
são alvos dos ataques

esquece as aventuras
contadas em rápidas palavras
de oferecimentos e descobrimentos

o futuro se apresenta
inócuo em luzes descoloridas
e frias de invernos
alcançados antes do tempo
preferido aos esquecimentos

no que se repetem as estações
se tornam pinturas enquadradas
em molduras onde cupins se alojam
e trabalham suas alimentações

autofágicas rememorações
consomem capítulos
alcançados em propagandas
e conversas olvidadas
ao público não cativo
dos facilitadores

aventura o restante em única ficha
e recolhe no tablado o nada
consta em seu favor
aos pares aos ímpares
insucessos sucedidos
em mal agradecido
aceno de quem sai

a solidão opaca
em sua mala resta a roupa
usada em situações
análogas de descrença
e vulnerabilidade

o final é o gesto parado
onde o braço levanta a mão
e o ônibus passa lotado.

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, Vol. I, Edição do Autor, fragmento)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

CECÍLIAS

As cecílias fecharam seus cadernos onde registravam, não em forma de diário, mas diariamente, seus poemas. Às cecílias é dado o direito e o poder de registrar poemas, trançando entre todos - se um dia pudessem ser reunidos - o que chamamos de poesia. Mas, na seqüência do que foi escrito, as cecílias haviam fechado seus cadernos, como gesto de abandono ou de desistência. Se as cecílias não mais escrevessem seus poemas e não os deixassem registrados em seus cadernos, a poesia sumiria das nossas vistas e nossas vidas não teriam mais a magia decorrente. Estaríamos presos em eternas correntes cecilianas e arrastaríamos nossas mágoas e nossas incertas horas de não adormecer ou de nos alimentar, que as letras são a primeira e a última refeição de cada dia. Não podem as cecílias por isso ou por aquilo, de repente e nas razões indiretas do que todas pensam em uníssono, ter tal desistência, adormecimento ou esquecimento. As raivas não se coadunam com as cecílias e delas tomam distância, para não serem transformadas em bonitas figuras decorativas, em amores conquistados entre manchas sobre as toalhas de mesa, ou naquelas pequenas marcas sobre as roupas. As cecílias têm - ou tinham - consciência do que representam - nos seus textos, muitos entremeados com figuras ou desenhos de flores ou animais de estimação, recortados e colados em seus cadernos -, para as demais pessoas que se chamam álvaros, américos, marthas, clarisses e possuem segundos nomes, como pedros antônios, pedros josés, tânias reginas ou marias antônias, anas marias e paulos cesários; as cecílias transitam sós em seus nomes e aceitam apenas únicos sobrenomes, escolhidos para que sejam confortáveis aos poemas e deles não se destaquem nem os atrapalhem quando forem lidos ou lembrados.
Os cadernos das cecílias estão fechados. Uns foram guardados em gavetas, sob coisas ou livros, outros ficaram sobre as mesas, escrivaninhas ou nas mesinhas de cabeceiras (desses, temos esperanças de reencontros ou revoltas) entre contas e breviários, despertadores e luzes menores. A maioria foi colocado em lugares secretos, fechados à nossa imaginação e conhecimento. Nesses repousa o mais grave: o nunca mais serem manuseados, nem sequer lembrados e terem seus poemas consumidos pelos tempos em que as cecílias, completando as cenas, também forem se esquecendo deles e elas, trocando de nome e esquecendo que eram cecílias, se transformem em pessoas como nós, com os nossos nomes e as nossas artimanhas, desconsiderando os poemas guardados no esquecimento com que as letras vão esmaecendo até que nos cadernos sobrem apenas alguns rabiscos em cada folha e não se possa recuperar o que foi escrito, nem ao menos saber que naquele caderno repousou uma vez uma cecília. A criança a quem for dado o caderno terá noites de insônia, o sono agitado de quem recebe a visita de cecílias; em cada amanhecer terá a tentação do grafite e, como ainda não sabe das palavras, preencherá folhas e folhas daqueles cadernos com figuras, traços e rabiscos e, mesmo que o que faça também possa ser poemas, não serão os poemas originais deixados pelas primeiras cecílias. Mesmo que essas crianças perdurem em suas vontades, não alcançarão a glória dos escritos cecilianos. Serão apenas traços e rabiscos, depois letras mal enjambradas, palavras mal escritas, versos tortos de desanimados seres que vieram depois do quando as cecílias pontuavam seus poemas no final das tardes e com cuidado guardavam seus cadernos para que as noites lhes fossem leves e seus sonos fossem calmos e não sonhassem além do que haviam escrito naquele dia e no outro e assim sucessivamente, até que o caderno fosse completado e, na verdade, para que ficassem completos, as cecílias escreviam nas contracapas, nas terceiras capas, antes e após as últimas linhas, nas capas e nas últimas capas. Nem um espaço poderia sobrar, mesmo que para isso tivessem que diminuir as letras, juntar palavras, mudar sentidos e, finalmente, antes de passar para o próximo caderno, lançar como despedida uma última frase poética sobre o tanto que lá estava escrito, ou sobre o rapaz conhecido naquele dia, ou sobre a tristeza de ele estar completo e nele não poder ser lançado mais um verso categórico ou oscilante sobre a vida, a obra, o dia e a noite cecilianamente encerrada em nuvens e estrelas alternadas.
O fechar dos cadernos das cecílias correu mundo; mesmo as pessoas mais broncas, mais ríspidas, mentirosas ou fascinantemente comprometidas com a escuridão e a maldade, sentiram os movimentos ritmados com que os cadernos foram fechados. O abandono da idéia que a todas permeava na certeza com que seus versos não eram entregues em cada tormento, a maneira singela e clara com que seus poemas nos consolavam. Estávamos órfãos, cada pedro, cada paulo, cada regina ou tânia, cada marina ou mariana, cada um que carregava dois, três ou mais nomes, porque as cecílias de simples nomes haviam decidido sem falar umas com as outras, sem ao menos serem conhecidas entre si, que os cadernos não eram mais necessários e que a poesia (antes de se transformar em outras letras que não aquelas) havia terminado. Os cadernos, mesmo os incompletos e até mesmo aqueles que as cecílias mais jovens estavam começando, foram fechados, assim como passa o vento diante das nossas janelas e só o sentimos se abrirmos os vidros e pusermos os braços para fora, e se encerraram sem barulhos, sons ou o mero farfalhar das folhas. São discretas as cecílias com suas obras, com os invólucros e com os gestos. São discretas como seus olhos captando os movimentos vindos de dentro e de fora de cada uma delas: são discretas quando escondem suas lágrimas.
Estamos aqui, desceciliados, na orfandade dos versos e dos poemas completados ontem, antes e por todo o sempre. Não haverá palavra que nos defenda ou que nos arremeta ao amanhã; os amanhãs serão iguais ao ontem e cada um de nós será sua própria palavra: fúnebre, alegre ou triste, desencontrada ou arranhada em paredes. Nossos grafites estarão quebrados, nossas lanças estarão partidas, nossos sonhos estarão acordados. Ainda nos sobrarão as lâminas das facas e com elas, em último e desesperado gesto, faremos nos troncos das árvores mais próximas entalhes de corações atravessados por setas e dentro deles escreveremos com a força resultante, sempre e em cada um, o mesmo nome, repetido e no plural, pois plurais são as cecílias que escreveram em nossas vidas os poemas mais belos.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

ECOS

A voz recorda as horas
em que, pequeno,
tinha certeza de que o amor,
como nos filmes,
permanecia em beijos.

Abraçar a heroína,
geralmente loira,
esguia em seios fartos,
alimentou a minha adolescência.

O Cine Teatro Pampa,
em sessões vespertinas,
fez nossa alegria
com filmes europeus.

Duvido que o comendador,
proprietário do cinema,
tenha assistido qualquer
daqueles filmes.

Infelizmente, o cinema
foi transformado em estacionamento.
E o comendador morreu.

(Pedro Du Bois, REENCAMINHADO)

sábado, 16 de outubro de 2010

JOGOS

Corre, no deslocamento espera a bola;
no lançamento, a bomba sobre a cidade;
o centroavante busca o espaço
onde a bomba lançada explode,
contra a trave a bola se choca;
corpos retalhados atirados
de volta ao meio de campo;
não há repouso para os corpos;
carçaças expostas; a falha na jogada;
insepultos, empobrecem a paisagem,
frustram a atenção da torcida,
incendiando a raiva que perpassa;
cabisbaixa, começa a deixar o estádio;
povo subjugado pela força, a volta
se mostra inócua; o vencedor espera
ser para sempre, que a casa explodiu
com a bomba; efêmero lapso
em que a derrota cristaliza.

(Pedro Du Bois, O MOVIMENTO DAS PALAVRAS)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A OBRA NUA

...

3
Diversificado, elevo paredes e cubro
a terra alicerçada em concretos atos.

O prédio simboliza a conquista do espaço
onde se materializam horas de regresso.
A prisão é o elemento apaziguador
da obra inconclusa: concluo a seriedade
da matéria não aproveitada. Entre janelas
sustento a nudez da espera.

4
Semibreve colcheia
entre pautas desafia
espaços em branco

(remeto o som ao intermediário
instante em que se criam
mitos
e se desnudam
histórias)

o som recorrente
das estátuas.

5
Pode ser a pedra
a tela
a madeira trabalhada
no dever do ofício.

O canto ressoa notas
elastecidas. O pássaro
alcançado
pela pedra
sobre a grama.

O animal selvagem decorre
horas em terras desiguais.

6
Sinto a hora em indistintas
cores e decomponho a paisagem
em cálculos: a operação
completada em números.

Inúmeros pares transitam
ímpares lugares.

O relevo do trabalho concede
atos de bondade no estupor
do corpo diante da cena
em desarmada
hora.

...

(Pedro Du Bois, A OBRA NUA, 1º Ato, fragmento)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

NÚMEROS RECONTADOS

Sem consciência do dia e da noite
entende diferentes os dias e as noites
nos movimentos em relação ao sol

a terra em rotação e translação
a lua em translação

cálculos imperfeitos e imprecisos:
estações misturadas
em invernos
e verões

o calendário em velocidade
cria anos bissextos

sabe: o sol se move
galáxias móveis
móveis seres celestes

dias e noites questionados
na rotação da terra
e na translação do universo
..................................(conhecido)
onde o tempo terreno
é mero traço.

(Pedro Du Bois, NÚMEROS RECONTADOS)

domingo, 10 de outubro de 2010

MÃO

Pela mão
atravessa a rua
criança

a rua larga
a rua alarga
a mão se cansa

a criança solta a mão
cansada.

(Pedro Du Bois, POUCAS PALAVRAS)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A CASA DIVERSA

A heroína Anita
de tantas batalhas, ressurge
em novas linhas de significados
onde seu papel não são os tiros
e as adagas. São os filhos, as fugas,
as viagens intermináveis por mundos
estranhos e desconhecidos
de mesmas lutas fratricidas onde
perde a saúde, o amor e a lealdade
deixada à margem no caminho ingrato
dos que partem, esquecem, recomeçam
e das anitas estão fartos.

Os filhos longe uns dos outros: perto
as casas se repetem, o choro aumenta
e as anitas morrem em saudades.

(Pedro Du Bois, A CASA DIVERSA)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

TÂNIA

Vens pela praia
descalça deusa
em pensamentos
absorta

posso ser teu guia
consolo
o riso fácil
no comentário alegre

teus pés n'água afastam
os passos rápidos
o olhar no horizonte
enfrenta as águas
por onde passas a areia
te faz leve traço

posso ser o barco ao longe
onde olhas o espaço
guardião da terra
em último compasso.

(Pedro Du Bois, LIVRO DA TÂNIA)

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O NOME PROVISÓRIO

Ao ser chamado pelo nome
esboço sorrisos e nego minha presença.

Renego minha ausência.
Assisto a hipocrisia
inundar a fala. Falo da antevisão
do corpo no erotismo
anômalo ao quarto.

O piano oferece teclas
ao dedilhar primário: oferto
preços ao preconceito.

(O professor nega a obviedade
no desinteresse pela classe: alimenta
esperanças nas luzes apagadas).

(Pedro Du Bois, A PALAVRA DO NOME, 4)

sábado, 2 de outubro de 2010

LIBERDADE

Na verdade
a liberdade
abre a porta

ouvimos
o bater das botas
e dos cascos

tempo fechado
em indiferentes livros
de repetidos cânticos
em adeuses

o estrondo da bomba
(a luz) quando explode:
nauseabundo corpo
morto em chamas

(liberdade em passagem
altaneira).

(Pedro Du Bois, LIBERDADE, 1)