segunda-feira, 30 de setembro de 2019

A Revelação como Máscara e outros poemas


por W. J. Solha


Sobre A REVELAÇÃO COMO MÁSCARA, do novo livro de Pedro Du Bois, O VENDEDOR DE CADEIRAS, publicado pelo Projeto Passo Fundo. 






A ilustração é um quadro meu, de que me lembrei ao ler isto, nessa parte da obra:
-
Gosto de usar na máscara o irrefletido:
a opacidade anteposta ao papel
desenhado no esboço e o gesso
na morbidez do rosto
condenado à decomposição.
-
OK.
Há anos acompanho a produção de Du Bois. E esta me parece banquete pra psicólogos, psicanalistas, psiquiatras e assemelhados, e pra críticos literários de melhor estirpe. Uma de minhas resenhas sobre obras anteriores do poeta gaúcho, teve – a propósito - o nome de ENIGMA DU BOIS, aqui bem mais denso, até, do que o ENTRE MOSCAS, do Everardo Norões, por que, na maioria das vezes, venceu-me. Como se fossem partes de um nouveau roman – que tinha foco nos objetos, não nos personagens – os três primeiros títulos desta edição constam como “O Vendedor de CADEIRAS”, “A Revelação como MÁSCARA”, “TUBO DENTIFRÍCIO”.
Veja que sacada:
-
Ao velarem os mortos
colocam cadeiras
junto ao caixão:
-
Corpos assentados
inclinam as mãos
sobre as bordas
os olhos choram o corpo
deitado
-
Nas outras partes do livro, tem-se achados como este:
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TUBO DENTIFRÍCIO
-
Aprendo a escovar os dentes
antes que o almoço
me devore.
-
Mais em frente:
LEVIANA HISTÓRIA DE UM SE NHOR URBANO
-
Sonha em se tornar artista
sobre o fogo: retirar do coelho a ironia
da cartola.
-
E, como se – malevolamente – gozasse com meu novo livro – VIDA ABERTA
(Tratado Poético-Filosófico ):
-
Entediado. O filósofo repete
em novas palavras a sua velhice.
-
E:
-
Simplifica em termos
eternizados o que não foi
dito.
-
OK.
Mas o centro do volume, parece-me, é a REVELAÇÃO COMO MÁSCARA, em que a gente pensa logo na fábula de Esopo, “A Raposa e a Máscara Trágica”, em que a zorra dá com esse assessório do teatro grego, deslumbra-se com sua beleza, mas se decepciona com o vazio atrás dela. Em seguida vamos direto à Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, ao Arquétipo Persona, onde se observa o sujeito com a possibilidade ou necessidade de criar personagens ( persona: máscara, em latim ) que podem não ter nada com ele mesmo: o papel público que o ser humano se sente forçado a apresentar.
Du Bois não é um poeta exatamente feliz com a condição humana, com as tais máscaras ou não:
-
Nem o vazio
Se revela. Nem a revelação se esvazia.
-
Ou:
-
Escondo a máscara sob outra máscara
-
E isto que se segue vai pra uma tácita angústia kafkiana , como em O PROCESSO:
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Sobre a minha vida despejam culpas assumidas
em lágrimas de arrependimento. Não me dizem
o crime cometido.

-
OK, de novo. Porque triste, mesmo, são estes versos de SILENCIAR:
Dias (são assim)
calados em tardios
anoiteceres. 

-
Como eu disse, não se trata de prato cheio, mas de banquete para os estudiosos da mente humana, inclusive críticos literários do porte de um Hildeberto Barbosa Filho.
Fica a indicação.


domingo, 29 de setembro de 2019

VIAGENS

Levamos nossas vidas mesquinhas
perambulamos nossos fantasmas

esquinas repetem
a sucessão do passado
em que as curvas escondem
o futuro em novas paisagens


estamos
encaramujados.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

MUDANÇAS

A mudança acompanha
a história: nada e glória

decadente companheira
na jornada que medeia
(já) sem entusiasmo

a metamorfose
completada nas asas
libertadas ao sol
que ilude a tarde

na decadência o retorno
com cabelos revoltos
de antigas ventanias

as mãos afastam
as tempestades
em que se transforma.

(Pedro Du Bois, inédito)


quarta-feira, 25 de setembro de 2019

HERÓIS

O horror da guerra recontado
na mesa do bar: bravatas
e homéricas pilhérias

braço sobre o encosto
aproxima o corpo
e no ouvido estala
a língua o tiro de canhão

fuzila com os olhos o comentário
atrevido e revida o ataque
com perfídia: emudece
a plateia na simulação
do estampido

o braço aperta o corpo
ao lado: fosse o inimigo
subjugado no golpe
em que a lâmina rasga
o pescoço repassado
com experiência e glória

detém o amigo que se despede
ao ir embora: sugere nova
rodada mesmo que em outro
local: ainda é hora

sozinho
o desalento invade
seu corpo e alma: os olhos
tentam apagar o passado.

(Pedro Du Bois, inédito)


                   

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

FERIDA

A ferida sangra o corpo atingido
o sangue escorre o passado
esconde a mágoa do amor findo
no amoroso corpo desprezado

a ferida sangra a dor recolhida
o sangue corre na veia atingida
escolhe a raiva no amor atraiçoado
em amoroso sentido vilipendiado

a ferida sangra o espírito refletido
o sangue recorda o louco estampido
recolhe o amor no corpo abandonado
em amoroso recorte rasgado.

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 21 de setembro de 2019

DESFRUTE

Em desconexo sentido
a figura sem concretude
sobe pela parede
foge em desconcerto

traz o mundo no jornal
cortado e colado ao solo
na delimitação do espaço

despertada angústia
na figura desconsertada
que se rebela ao espaço
em canções aventuradas

despudorado futuro
rarefeito em desculpas.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

DESCOBERTA

De outras terras disseram os aventureiros
descreveram paisagens
           disseram dos nativos
           insinuaram o ouro
                           e a prata
                           que poderiam encontrar

trouxeram selvícolas para agradar a corte
trouxeram o tabaco a ser fumado
trouxeram o cacau a ser torrado

não trouxeram doenças que lá não havia
não trouxeram ratos que lá não existiam
não trouxeram sonhos que lá não sonhavam

levaram as doenças os ratos os sonhos
conquistaram: tornaram-se senhores
exterminaram os povos
       exauriram os metais
       chamaram de novo mundo.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 17 de setembro de 2019

ILHA

Mística ilha
onde mantenho
               meu passado
               meu degredo
               meus segredos
               meus instantes

isolados
incólumes
desterrados

submerso futuro emerge na onda
em que afogo as lembranças

o mistério escorre
outras águas.

(Pedro Du Bois, inédito)


domingo, 15 de setembro de 2019

INCENSADO

Queima o incenso na sala
em conversas de pouco dinheiro
e exames médicos: horror do herpes
e suas sequelas. Danada doença
que o incenso queima
                        tosse
                        afoga
                        as mágoas
em instrumentalizadas
músicas. Não fala do cansaço
nem do casamento incerto
de errados tempos incensados
enquanto escurecem vidas
e na televisão preparam
o noticiário. Lembra
o cronista e suas palavras
ecoam sem respostas.
O aroma do incenso
na mesa e a mesa
posta. Aposta o jogo
em seu resultado
que não altera
a história: apenas
a repetição de campeonatos
anteriores e do que o médico
disse na consulta passada.
O incenso termina de queimar
e a conversa morre na sala.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

DIAS POÉTICOS

O poeta troca a nau
pelo carro com que parte
para o nada como se fosse
a nova odisseia em paradas
de programadas baldeações
ou troca de sua nave

o carro circula estradas
em autovias sinalizadas
- onde a placa do labirinto? -
de faixas aéreas pré-determinadas
em que o gps marca a posição
exata de sua perdição terrestre

o policial solícito diz da próxima estrada
o agente turístico - sorridente - diz do hotel
aproximado e o poeta cansado pede
que alguém carregue a sua bagagem
e solícito
e sorridente
entrega ao carregador a pequena nota
vil e financeira de sua última rima
versada antes do banho.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

CIVILIZATÓRIO

A água pura
não era escura
como agora
na civilização

o floresta pura
era escura
antes de chegar
a civilização

a mente humana
clara e escura
carrega consigo
a civilização

a civilização
em lusco-fusco
é fogueira
sem imaginação.

(Pedro Du Bois, inédito)



segunda-feira, 9 de setembro de 2019

DEMÔNIO

 Ah o demônio
rubros olhos
traduzem
a maldade
   inveja
   ruindade
 
   vontade ocultada
   de nos travestirmos
   e sermos a ameaça
   que impõe o medo
   e expressa a raiva

quem escreve textos
sobre o bem eterno
em respeito pelos seres
na inteireza do lucro.

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 7 de setembro de 2019

TOLOS

Tolo
são tolos
os sentimentos
expressados
onde não existe
receptividade

tolo
somos tolos
sentimentais
apressados
querendo a seiva
de seco tronco

tolo
sentimentalismo
impresso
em páginas e páginas
de velhas palavras.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

NÃO

Não há a minha casa
há a casa onde moro
não há a minha riqueza
há certa riqueza que exploro
não há a minha beleza
há a beleza que transformo
não há a minha vida
há a vida em que transito

levo a saudade
       o conhecimento
    e o choro: a casa
esquecida em dias
de outras belezas

desconheço a minha força
busco o recomeço: rememoro.

(Pedro Du Bois, inédito)
                         

terça-feira, 3 de setembro de 2019

A VIDA

A vida teimosa
se apresenta
em fogos
e artefatos

artifícios
que a sustentam
em tolos corpos
que se escondem

a vida teimosa
se faz presente
quando a noite
acontece

vela
pela aurora
que refaz o dia

a vida teimosa
entontece a morte.

(Pedro Du Bois, inédito)