quarta-feira, 29 de abril de 2020

PALAVRAS













Não resisto ao bobo que na corte
anuncia o rei que chega e exige
a reverência dos súditos

sem palavras chaves giram
e portas se fecham na formalidade
com que gestos estabelecem
pétreos tijolos assentados

ao bobo ofereço o riso fácil e a punição
real me alcança: pende o pescoço na falta
da cabeça: leva embora o sentido e o direito
das pessoas se ausentarem em nossas vidas
                                                            e mortes

minhas palavras estão paradas
porque escritas e petrificadas.

(Pedro Du Bois, inédito)


segunda-feira, 27 de abril de 2020

RIMAS













Procuro onde estiver
o dicionário de rimas

usado e rabiscado
acrescentado
e reescrito

porque rimas faltam
ao trabalho e o escritor
precisa conhecer do mal
nas palavras incompletas

procuro em qualquer lugar
o dicionário de rimas

usadas
referidas
riscadas
roubadas

porque há desvantagem
em ser inédito e branco
em seus versos.

(Pedro Du Bois, inédito)




sábado, 25 de abril de 2020

TRÊMULOS














Trêmula mão
     trêmulo corpo
          trêmula alma

não há sentido em estar
rígido ante o corpo
esvaído de sua vida

trêmulo momento
em que as palavras
não se apresentam

não há o que dizer
do trêmulo corpo
que se debate
no ocaso

é a vida trêmula
enquanto a bandeira
tremula no meio
do mastro.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 23 de abril de 2020

FALTA



O humano esperado faltou
sua palavra não foi ouvida
e a mensagem esquecida
deixou o vazio do que não
foi entregue: dela dependíamos
para o avanço e ela seria o ai
do espanto na redenção
do corpo pela passagem
da hora e na confusão
da derrota

faltou o humano esperado
com suas promessas falsas
e quimeras sonhadas
nos pesadelos vivido
e sua ausência trazendo
a angustiante hora da espera

esperado faltou o humano
deixando pasmo seu povo
e o inimigo avançou sobre
nossas linhas e a defesa
se fez frágil.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 21 de abril de 2020

POESIA













Fazer poético o lobo marinho chegado à praia
por haver perdido a corrente marítima
que o prendia à vida de lobo marinho

dizer poético o voo rasante do pássaro na água
em busca dos peixes que o alimentarão

falar da poesia dos automóveis que congestionam
os caminhos com pessoas em seus afazeres

colocar poesia na bruma que esconde os morros
onde aviões batem matando seus tripulantes

sonhar poesia nas mãos sôfregas que no escuro
procuram outras mãos ávidas de contato físico

mentir poesia nas letras das canções infantis
com que criamos os filhos para terem medo

escrever poemas com palavras de sentimentos
inglórios à divindade à pátria e a imprópria morte.

dizer-se poeta entre quatro paredes de pinturas
escuras e querer que a luz solar transforme
nosso mundo rapidamente em magia.

(Pedro Du Bois, inédito)


domingo, 19 de abril de 2020

PROGRESSO













Porque erramos o caminho
comprometemos
as gerações futuras
que avançarão
e avançarão
desconhecendo os perigos
das implicações
e das consequências
por termos errado
o caminho inicial.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 17 de abril de 2020

VÃOS













Do que falam pelos cantos
escuros onde a memória
não alcança o sentido
da mortalha aposta
em palavras

palavras da morte esperada
como resposta fria ao futuro
desencontrado em intempestivas
conversas sobre outros ausentes

do que falam pelos tantos
cantos onde escondem
a verdade

palavras irrecuperáveis em sons
dispersos: ares empesteados
de promessas vãs: os vãos
das portas sabem o que digo.

(Pedro Du Bois, inédito)


quarta-feira, 15 de abril de 2020

NEGAÇÕES



Nego a existência e vivo
a dimensão incorreta
do sonho do profeta

nego as palavras
fossem mosaicos
       e quebra-cabeças
       em que cada peça
       seja maior que o todo
       em suas extremidades

nego a vida e existo no cotidiano
em que meu corpo aguarda
o retinir dos metais no início
de cada batalha diária

nego o que escrevo na razão inversa
tendo em cada verso o momento.

(Pedro Du Bois, inédito)


segunda-feira, 13 de abril de 2020

FATAL













fatal
fático
fatos
desnorteiam vivos
na terra desconsolados

fatalismo
avassalador
na dúvida instalada

fatal
gesto inimaginável
com que sujamos
as mãos na terra
onde guardados
os corpos

fatalismo
na realização do pesadelo
em que o sonho finda

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 11 de abril de 2020

OFENSA














A ofensa carrega o preconceito
em suas (im)próprias batalhas
invencíveis onde o corpo
perde a alma e a calma
: se estendermos as mãos
  lá estará a vontade
  e a bondade

a ofensa é dos pecados
um dos tolos sentidos
na disjunção em que
dizemos nos livrar
dos pensamentos
ao tempo em que
os trazemos escondidos
em olhares: sobre a capa
o conteúdo se mostra por inteiro

a ofensa não pensa quando
da sua reação: braba se faz
mesmo que o sentir despreze
o ato descontinuado na inação.

(Pedro Du Bois, inédito)



quinta-feira, 9 de abril de 2020

PROTAGONISTAS














Por menor que seja
nosso papel na trama
por menos importante
nossa participação no texto
por insignificante
o foco na imagem
ainda somos
protagonistas
e nossa história
se repete em dias
de muitas atividades
em que nossa interpretação
soberba nos percalços
dispensa efeitos
e falas grandiloquentes
somos o mistério da vida
e a sobrevivência
nosso melhor papel.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 7 de abril de 2020

ORIGEM













Todas as respostas
foram dadas
resta a conversa
face a face

olhos aterrados
olhos cansados
olhos esperançosos
de outros olhares

todas as conversas
ditas em palavras
restam as respostas

respostas não são
ditas em palavras

os olhos estão postos
em novas paisagens

permanece a dúvida
com que fazemos
as perguntas
de sempre.

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 4 de abril de 2020

ESTAR




Que a cidade estivesse lá como era na minha juventude
suas praças bem cuidadas e guardadas suas árvores
a igreja em construção - foi toda uma vida? - 
buracos pelas ruas engolindo tubos de concreto
o concreto despontando em casas de estilo
estilos misturados na simplicidade do casario
e novos bairros - o dos ricos - com automóveis
surgindo no que era o novo país

que a cidade estivesse lá nos mesmos pontos e bares
onde todos se encontravam e éramos irresponsáveis
nas nossas poucas - ou tantas! - responsabilidades
de estar em casa de estar no colégio de estar por aí
conversando fiado trocando ideias descobrindo a vida

que a cidade estivesse lá com todo o meu passado
meus medos iniciais meu início meu quase andar
e que eu ainda estivesse com ela nos anos
que me foram caros e são apenas lembranças.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 2 de abril de 2020

ORGULHO














O orgulho ferido
transborda queixas
e sob ameaça confessa
o crime ao espelho

muda criatura cristalizada
ante o orgulho derramado

no outro lado o espelho
escurece a imagem
em que se contamina
e o ferimento não cicatriza
o orgulho exposto em crime.

(Pedro Du Bois, inédito)