sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Arcanos Grávidos

Amares, em:
https://arcanosgravidos.blogspot.com/2020/02/amares.html

TERMINAR




o futuro como presente a ser recebido
mensagens escutadas em outras horas
desesperos perdidamente apaixonados
o correr dos passos adiante distante
estava quase aqui comigo no instante
em que o medo sobrepuja o desejo
some o sorriso silenciam os guizos
espero passar o corpo e alcanço
a carne presa você personificada
quero do resultado o pedaço restante
que reis devolvem ao povo as sobras
e o que resta nos satisfaz como tolos
efêmero sucesso momento conhecido
tintas letras palavras cenas apostas
amanheço e penso estar terminado

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

OCASO



Destino ofertado
em óvulos na repetição
de espécies renovadas
reprovadas
recriminadas
em multiplicações
no mundo povoado
carregado pela emoção
em raças
gêneros
espécies
no preparado caldo
que transborda o prato

seremos nós
ressurgidos
ressurretos
revigorados
pelo destino
na raiva e ira
na fome e na noite
no sexo e no acaso
pelo ocaso da espécie.

(Pedro Du Bois, inédito)

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

BOTE



Na derradeira forma falta o traço
que a desiguale do rabisco
alado gesto com que o braço traça
o desenho do rosto amado

armado o bote a serpente para
espera o instante em que a vítima
se mostra indefesa e fraca
então ataca na fração do raio
e pica onde os dentes alcançam
inocula a presa em peçonha

é seu o triunfo quando desenha
quem atacou e a tem paralisado
como derradeira forma refletida
na morte no corte e na ferida.

(Pedro Du Bois, inédito)


sábado, 22 de fevereiro de 2020

LIVRE



No paradoxo
a ignorância
se completa

homenageiam
na Praça da Liberdade
o arauto da ditadura

não deixou que falassem
não deixou palavras
não deixou qualquer gesto
com que poderíamos
ter abreviado a escuridão

a liberdade é assim
paradoxalmente livre.

(Pedro Du Bois, inédito)


quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

RESSENTIMENTO



O ressentimento
estilhaça as vidraças

a alma exposta
se recolhe

cacos são recolhidos
recompostos e colados
em nova raiva

ciclos repetidos
em que não há ganho
nem vida a ser contada.

(Pedro Du Bois, inédito)




terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Modus vivendi

Teia, em:http://amata.anaroque.com/arquivo/2020/02/teia

ANGELICAL



Trouxe o barulho das águas
                            dos ventos
                            das florestas

acrescentou nossos sons
ditos
tocados
cantados
mastigados
pisados

encontrou os que foram embora
antes do tempo
    repôs os desejos
                   lampejos
                   arpejos

voltou a ser o mensageiro retornado
ao início aquém do começo
onde permanecemos
em gestos
      gostos
      barulhos
   e amores.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 16 de fevereiro de 2020

SÍMBOLO



Simboliza o final do caminho
onde se perdem os espíritos
sem música e canções
nem a continuidade da vida
na alegria e tristeza das bençãos
nupciais e nas elegias pós-terrenas

simboliza o término do trajeto
parede erguida contra a liberdade
na não escolha escondida na verdade
com que nos iludimos naqueles dias
de homenagens e aplausos

simboliza o acabar do tempo
e ponteiros em muda decoração
lembram minutos anteriores
de corações leves e arteiros
com que brincávamos o mundo
ao explorar os sentimentos.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

CICLOS



Nuvens escurecem relacionamentos
ao longe o grito das sereias
tantos afogados as cansam
mares revoltos de poucas pedras
...
renascido corpo em outra viagem
que acontece antes da partida
anunciada em altas músicas
de letras murmuradas em rezas
...
sob as unhas a sujeira que ficou da terra
da casca da árvore retirada com esforço
o rosto rasgado em raivas consentidas
no desinteresse pelo acontecido
...
o dia de amanhã no reflexo da janela
barulho de pregos em quadros
pendurados e da cozinha o aroma
da carne frita: fritadas carniças.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

ALÉM



O homem persegue a caça
que o cassa em direitos

do alto do cargo o burocrata
vê a caça e o homem
e os cassa linearmente

acima do burocrata o político
se vangloria dos votos recebidos
vira as costas à caça
e ao burocrata que o cassa

além do político o vazio preenche
o nada em gongóricos discursos
de promessas: a caça
                        o homem
                     e o político
                     cassados estão.

(Pedro Du Bois, inédito)

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Limites e Outros Exageros e outros poemas, por Maura Soares


Querido poeta/escritor Pedro,
confesso que a minha demora em comentar a obra deveu-se a leituras homeopáticas e as diversas paradas para mergulhar no significado de muitos dos teus escritos.
Confesso que em alguns eu logo captei e em outros li, reli e ah! eureka! entendi.
Tua obra é profunda, tantos nos limites quanto nos exageros, eis que o título é assim.
"A morte antecipa o desfecho: não saber o destino traçado pela divindade: dívida dos deuses em adeuses: flores de corpos descompostos". Sim, não viemos para cá com bula e nem o dia da partida. Nos entremeios amamos, odiamos, matamos, seviciamos...
E os silêncios... Praticamente fico em silêncio; uma música de fundo ali, outra só o barulho dos carros na avenida. O silêncio da mãe ante o filho cuja alma se vai sem que ela possa reagir (pag.30), é profundo, muito profundo. Felizmente tive um filho sem grandes problemas de saúde, mas sei de quantas mães velam seus rebentos...
O parágrafo da página 33: "Há o corpo  sobre a pista. Morto. Há o desespero da insegurança". Quando há porte, o chão desaba, como se estivéssemos num precipício com o pé na borda, vendo o vazio abaixo. 
Nos movimentos circulares ..."toda paisagem tem em si enxerto das plantas e pedras decompostas... toda tragédia disfarça a impossibilidade da fusão entre homens e deuses...
"Envelhecido em família desterrada/ lembrei o verso e me opus (ao novo):
fui continente/ fui isto/ fui ilha naufragada...
 visto pelo avesso a roupa escolhida para a solenidade (pura rebeldia)
Outro: "Fecho as portas pelo lado contrário. Corro a tranca em atravessada forma: demitido como proscrito no boletim de ocorrência". E adiante: Livre sobre destroços sinto a paz exterior na contenção revolta.
Não vou me alongar mais, porém acabei de ler o livro e terminei pela madrugada. Havia esquecido o lápis (leio deitada, hábito horroroso, mas não tenho sofá e sim cadeiras de braço sem ser poltronas e com problema de coluna, leio deitada antes que o sono chegue.
Fiz uns tracinhos a lápis até a página 140 quando destaquei:"A profundeza o comove: ter estado presente ao ato não o torna proprietário da verdade"
Então como não sou dona da verdade e nem pretendo me apropriar dos teus versos, digo simplesmente: uma obra densa que faz pensar.
Agradeço o carinho e desculpa a demora em comentar.
abraços
maura

FÁCIL



Fácil dizer estou com fome: sempre há alguém
suprindo a necessidade: sal e doce na alegria
com que saciamos nossas vontades e a fome

entender esse alguém que nos supre a vontade
: há de haver o sentido e a caridade no corpo
  exposto do lado de fora da porta de entrada

fazer entrar esse alguém caridoso: momento
em que a tragédia e a mágica mesclam
o assombro e a fome passa rapidamente

o instante se transfigura: há o tempo
errado das preces e de confiar nas sereias
que cantam apenas suas mágoas e dores.

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 8 de fevereiro de 2020

NOITE



Espero a noite
no que tem de bom
o silêncio e os fantasmas
livres da correria diária
no choro das crianças
e na lamentação dos velhos

no silêncio
me reencontro
e me transmito
em versos

calmo e cordato
raiva e ira
espera e chegada
sou a noite
e da noite
retiro os gritos
com que me calo.

(Pedro Du Bois, inédito)


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

CAMINHOS



Fácil reconhecer o caminho
do ladrão das flores
jardins desfeitos
pisoteados

fácil identificar o caminho
do ladrão das cores
pálidas estradas
descoloridas

fácil verificar o caminho
do ladrão dos amores
inundados trajetos
chorosas pessoas

fácil encontrar o caminho
do ladrão das guerras
entorpecidos sentidos
em lenta recuperação.

(Pedro Du Bois, inédito)