sexta-feira, 31 de agosto de 2012

AMANHÃS

Amanhã
não me farei
presente

a viagem rancorosa
dos navios mercantes
levará a carga
ao desatino

mares navegados
em águas sujas

bares visitados
em sujas águas

amanhã não direi
presente à chamada

a viagem ressurgente
enviará flores
ao destino.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

DESCOSTURADO

Descosturado: a sina do espantalho.
Riso de pássaros descompromissados
com as regras estabelecidas aos anteriores.
Imóvel, repete na imobilidade os gestos
conhecidos onde a vida atravessa
as razões dos sentidos obrigatórios.
Refém, na roupa e no chapéu repete
a cena do que tarda a se locomover.
Espetado, sofre as consquências de estar
presente e se ausentar ao todo
fragmentado do que está à frente.
Sente no murmúrio o indizível do esvoaçar
do pássaro e se surpreende em descosturas
refeitas aos ventos: o temporal assusta
os pássaros e dá movimentos desordenados
ao espantalho sorridente.

(Pedro Du Bois, inédito)

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

EXTREMOS

Dos extremos
       pensa: começo e fim
             alcança: origem e desconhecimento
             acrescenta: fora e dentro
             integra: acima e abaixo
             desdiz: sim e não
             explica: cedo e tarde
             jura: deuses e demônios
             antecipa: ontem e amanhã
             simplifica: vai e volta
             radicaliza: ama e é amado
             consegue: aparece e desaparece

a mágica convive
                nos extremos
e os traz ao centro
condensados em hoje.

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 25 de agosto de 2012

BUSCA

Cessada a busca
bússola indiferente ao rumo
permanece em seu mundo
interior

descolore as luzes
com que os dias
se apresentam

guarda o cinzento
espaço antecedente
ao espírito desacompanhado

fechada a casa
do lado de fora
permanece à espera.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

TEMPOS

Reclama os desfazeres
exige o cumprimento do termo
redigido para ser feito
ontem antes da hora

invade o texto e o declara
culpado por não estar pronto

reclama da velocidade
com que sua vida
passa e vai embora.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 21 de agosto de 2012

HISTÓRIAS

O discorrer fragilizado
do embuste: verdade
declarada no feito
não acontecido

refaço no trato o tom
lamurioso do esteta

proíbo ao interlocutor
afirmar verdades
desproporcionadas

(a história considerada
 em sua oficialidade).

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 19 de agosto de 2012

ESTRANGEIRO

como estrangeiro
rejeita o afeto
dispensa o fato
não alcança a razão
do encontro

o estrangeiro se liberta da terra
em andarilhos passos
se afasta
do passado
e penetra
onde se debate

no extremo
do desconhecimento

como estangeiro traz
a vida
e a morte.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

CADEIRA

Na cadeira assenta
a vida sem o progresso
denunciado: fica em casa
amuado a pensar o acento
circunflexo no plural do verbo

a parede reflete o calor
na desforra do tempo
dispensado: o corpo sentado
escuta o arrulho do pássaro
engaiolado na frente
da casa deserta

na vida o remorso confunde
o espírito e o corpo cede
ao cansaço.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

FECHAR OS OLHOS

Nos olhos fechados
insondáveis
registros da posteridade:
                    aos mortos cabe o direito
                    ao nome
                         datas
                         fotografia

a família chora a perda

aos vivos cabem os trabalhos
das exéquias e as lembranças

a perda se coaduna
ao relento: a porta
é fechada.

(Pedro Du Bois, inédito)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

PALAVRA

a palavra incessante
do sentimento anímico
                    retraída em si
                    extravasa a forma
                    na composição
                    inerente

distribuída no texto
     condensada no canto
     e no silêncio: refeita em trajetos
                           interrompe e ressurge
                           no descompasso

a palavra inicial do (a)firmamento
no grito apavorado da perda
                                 e lamento.

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 11 de agosto de 2012

ÚLTIMO

Sou o último
e vago refém
do absurdo: vejo você nua
                    e ausente
                   dos sobressaltos

ser o último me remete
ao início fortuito
de estar presente: sua nudez
completada no lusco-fusco
das luzes amareladas

no último instante
lembro seu corpo
desnudado em ofertas.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

CENTRO

Seu centro
canto hipotético
da escuridão
afeita ao destino

(onde se perde
           e se encontra)

ponto lateral debatido
em verbos de racionalidade

- angustiosa maneira
  de estar perdido.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 7 de agosto de 2012

FORMA

Busca na forma reconhecer
alguém disforme ao corpo
conhecido outrora

na grama úmida de pés
apressados reconhece
o inteiro corpo

a forma o surpreende
no que se transforma

                 e sonha a inteireza
                 do corpo abandonado.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 5 de agosto de 2012

APENAS

Apenas o começo
pensa o fim
no meio sobreposto
ao antes
dividido
em depois

depois pensa
o tormento
da véspera
indisposta
em dias subsequentes
de horas em agonia

(a lembrança embota a vontade
 da liberdade: concretiza o passado).

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

METAMORFOSE

Ao se reconhecer
ultrapassa a forma
inicial: decresce ao sabor
das mãos que amoldam
as faces. Afasta o cinzel
e a pedra atravessa a hora

ao espelho oferece a imagem
que o transforma em nova
forma transitória.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

TECER

Com as mãos
tece
do tecido
corta a peça
da peça
costura a roupa
que veste

vestida esconde o corpo
que sua mão
tece.

(Pedro Du Bois, inédito)