quinta-feira, 31 de outubro de 2019

ALÉM


Além: no relógio estático na parede
o som mostra a sala na passagem
do tempo em renovadas vidas

mortes disfarçadas no esquecimento
sem as badaladas e o tique-taque
nos passos amiudados: na refrega
esfrega o que o armário guarda

sob a mesa repousa os pés 
do andar continuado em anos

aguarda a chegada das conquistas
e o perdão estendido viaja e retorna
grudado ao corpo e nos olhos baços
de quem pouco escuta do exterior

os sinais do relógio estratificam o quando
terminado em vozes na oração de sempre.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 27 de outubro de 2019

DEPOIS

Retirarão a pintura
descolorindo
o por do sol

morros acinzentados
em verdes desbotados

silencioso
sem sapatos
ficarei à janela
para ver o dia
ir embora

não um
ou outro dia:

sensação
de que a noite
sem estrelas
se eternizará.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

INIMIGO

Porque se fizeram inimigos
não terão meu afeto
nem minha indiferença

não cantarei minhas músicas
nem lerei seus textos
não comerão da minha comida
nem me terão em regresso

não estarão comigo
nem me terão por perto

não me verão na amurada da ponte
nem serei a companhia na travessia

porque se fizeram inimigos
terão meu esquecimento
em meu silêncio.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

COMPROMISSO


Meu compromisso
presente em gotas
no amanhecer

frio compromisso
com gelos pendentes
em queimadas gramas

(no entanto)
estou ciente
da promessa
              feita
  em lágrimas
  não orvalhadas
  na fria madrugada

água nos olhos
escorrida pelo rosto
triste e compenetrado
                apaixonado.

(Pedro Du Bois, inédito)


segunda-feira, 21 de outubro de 2019

TARDIAMENTE

Tarde demais para perceber
que a construção fecha a paisagem
         e sonhos se restringem à janelas
            abertas na passagem dos corpos
            que invadem o ambiente na escuridão
que a noite aproxima os corpos
       caídos na cama em embaraços
       de tediosas horas em que sonhos
       fecham os olhos para a realidade

vida vista com atraso burocrático
vias extras para as reclamatórias

que o barulho da construção: pás e picaretas
       pedreiros eletricistas hidráulicos corações
       acompanham o andamento das obras
       tardiamente com as paredes erguidas.

(Pedro Du Bois, inédito)


sábado, 19 de outubro de 2019

REVIVER

No fundo do poço seco de antes águas
descia a caçamba na corda suspensa
voltando com a água de todo dia

brota a planta na nesga da boca
recomeçada vida depois de seco
o velho poço diriam todos
os que votaram o aterramento

tijolos e cimento rodeiam
paredes na falsa noção da espiral
e bichos peçonhentos subindo
e descendo na multiplicação
da vida no mesmo buraco

no escuro do fundo do poço
seco de águas passadas
nem corda e caçamba
nem a imagem refletida

a vida renova o espaço
na umidade exalada
pelo broto da planta
agora sepultada.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

SILÊNCIO

Largo corredor com lâmpadas acesas:
    caminha o trajeto em passos lentos
largo e lento corredor caminhado
    não completar
    não chegar
ficar junto à janela
até apagarem as luzes

os olhos se acostumam na escuridão:
     distingue no branco da cena
     o medo na mão que treme
     o vazio do espaço encoberto
pela vidraça a janela mostra
o mundo em seu lado de fora

ficar até cessar o mundo
através do vidro embaçado:
   o dentro e o fora completados
                                 em silêncio.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 15 de outubro de 2019

URBANIZAÇÃO

Campesino urbanizado
pela força tecnológica

triste pessoa busca o passado
               em ruas inexistentes

antes estradas oferecessem
caminhos diversos
                 opções de transporte
    trouxessem a mesma direção

fosse a urbe o destino correto
na chegada precedida por arautos

mesa farta e cadeiras confortáveis
nem em sonhos a vida se apresenta

o campesino não é mais campesino
seu campo agora é outro continente
e a luz parca da chegada
                      foi apagada.

(Pedro Du Bois, inédito)

TriploV Blog

Amores, em:
https://otriplovblog.wordpress.com/2019/10/15/poema-47/

Modus vivendi

Amores, em:
http://amata.anaroque.com/arquivo/2019/10/amores_2

domingo, 13 de outubro de 2019

CUMPRIMENTOS

Golpes
desgovernam
estados
estratificados

revoluções
reiniciam
estados
em outros
princípios

democraticamente
sistemas políticos
barganham votos

no final da fila
nós sempre
esperamos.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 11 de outubro de 2019

CONFINS

          Confinados
      neste planeta
      não errante

            de horas repetidas
      em estações repetidas
          com ciclos repetidos
             dos dias bissextos

 conseguimos ficar
      afastados
            hostis
desconfiados
  beligerantes

a morte vence a razão
e corpos são decompostos
em poucas lágrimas.

(Pedro Du Bois, inédito)   

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

DIA ANTERIOR

O dia anterior
           (exílio)
esconde a memória
antes que seja apagada

a força
escurece o horizonte
e em branco e preto
avista o último lampejo

a hora some em nuvens
sem raios e relâmpagos
no dia anterior que antecede
a lembrança sobre os atos.

(Pedro Du Bois, inédito)


segunda-feira, 7 de outubro de 2019

ROTINA

Na passagem
o estreito caminho
de todos os dias

obstaculizado
na mediocridade
rotineira

no chuveiro com água quente
lava o cheiro do escritório
apaga o que a mente
trouxe de fora

fechados caminhos revistos
em cada ação decretada

pouco de amor e carinho
após encerrado o jantar.

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 5 de outubro de 2019

ANTES

Um dia antes
deixarei o corpo descansar
na cama até a última hora
antes do banho farei a barba
usarei a melhor roupa

um dia antes
acordarei mais tarde
antes de levantar ficarei
com os olhos fechados

um dia antes
saberei chegar a hora da despedida
não estenderei a mão nem trocarei beijos
de longe acenarei aos transeuntes

um dia antes
ficarei estático na casa
até que o nada consuma em mim
o pouco que restará da passagem.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

ESTRELAS

Os que virão após
estrelas novas
não nos trarão reforços
estrelas vazias
não nos trarão novas
estrelas escuras
não nos trarão notícias
estrelas ocas
não nos trarão vidas
estrelas mortas

os que virão depois
não nos trarão amor
estrelas frias

e sumirão nas luzes
dos primeiros sóis.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 1 de outubro de 2019

FERAS

Meço a distância que me separa da fera
que sabe no distanciamento o medo
do que nos separa naquela hora

vou ao seu encontro e a fera recua
no primeiro instante: seu instinto
a faz recuperar a postura ferina
com que seus olhos brincam
em dentes brancos quando
o corpo ágil arremete
ao meu encontro

sei da sua força
                agilidade
                 malícia
e do impacto do seu corpo
sobre a minha queda

seus dentes na minha carne
e suas garras dilaceram

não há distância entre a fera e eu
somos aos mesmo tempo único corpo
no chão rolado em sujeira e sangue

a fera me abestalha quando a humanizo
e com meu corpo estraçalhado assumo
seus olhos e são meus seus dentes

permaneço na fera em segunda pele
ela se debate querendo se livrar
do incômodo hóspede que a assume
com corpo e alma humanizados: duas
                 feras abestalhadas e soltas.

(Pedro Du Bois, inédito)



Revista Cerrado Cultural

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Traição, em:
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Modus vivendi

Ventos, em:
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