terça-feira, 31 de agosto de 2010

PAIXÃO

Apaixono-me pela luz e a persigo
em beira mares, tenho com a areia
atritos indesejáveis: ter a luz
e os pés molhados; perco
a batalha, meu refúgio é o escuro
vão da escada: rabisco
a poeira em palavras versejadas
e anoto os dias.

(Pedro Du Bois, Casa das Rosas, QUINTA POÉTICA, 26.11.2009)

domingo, 29 de agosto de 2010

LIVROS

Agora sei colocar a cabeça
sobre o muro: último obstáculo
para enxergar o mundo.

Agora sei posicionar o corpo
ao encarar o adversário
e buscar seu ponto fraco
para o desarme.

Agora sei como tudo principia
na precária atualização dos fatos
compostos de palavras
multiplicadas em linhas
e parágrafos a desfiar textos
no que ainda chamamos livros.

Livros fariam mal aos negócios?

(Pedro Du Bois, O LIVRO FECHADO)

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

TRANSFORMAÇÕES

Não há como o mínimo
se transformar em máximo:
............................seria mágica

e a mágica não disponibiliza
transformações baratas
............................e caras

a vida continua nas realizações
mínimas de todos os dias
maximizadas em cada sonho.

(Pedro Du Bois, TANTAS MÁSCARAS)

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

COTIDIANOS

Comprar as passagens, arrumar as malas,
pagar as contas: encontrar alguém
que possa cuidar das folhagens.

A partida próxima
é mais que aventura,
risco.

Arriscar o táxi até o aeroporto,
os hotéis, os restaurantes,
o reencontro com antigos amigos,
fazer novos conhecidos.

Fico em casa: viajo em minha cadeira
olhando as mesmas paisagens.

Aventuro sair em imaginação.
Com muito cuidado.

(Pedro Du Bois, COTIDIANOS)

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

SAGA

...
as horas piores são as primeiras
onde os olhos alcançam o passado

depois cessam os sinos: encerram
os dias das mesmas formas
entre pássaros nervosos e a escuridão
que chega e acolhe

o estrondo nos acorda: assustados
alvos dos piratas na batalha descortinada
em luzes que nos alcança e derruba
e nos desfalece

minutos finais se prolongam
em passagens
ao contrário das boas horas
que não se repetem
em átimos de lembranças

da morte não há quem conte
os passos rápidos e as progressões ligeiras

quando saímos levamos impressões
da vida inacabada envolta em panos sujos:
únicos encontrados

a volta na repetição das lágrimas
em olhos cansados de desgraças
cercam as esperanças: animais
famintos em suas próprias presas

a acomodação aos fatos desalenta
espíritos jovens e desfalece
velhos desamparados.

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, Volume VI, Saga, fragmento)

sábado, 21 de agosto de 2010

A CONFIGURAÇÃO DO ACASO

Entre lugares
datas
horas
e circunstâncias

o encontro
se apresenta

o físico
e a mentalização
da palavra dita
em reconhecimento.

(Pedro Du Bois, A CONFIGURAÇÃO DO ACASO, Nível, I)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

À ESPERA DE LUÍSA

O tempo se avizinha
no que a sua irmã
repete. Na limitação
do espaço
Luísa se permite
ao movimento
restrito de quem cresce.

Está no desenvolvimento
e recebe do exterior
o beijo sobre
a parede: sente

a espera e a calma
com que está sendo
aguardada.

(Pedro Du Bois, LUÍSA, I)

terça-feira, 17 de agosto de 2010

ENTRAR

Entreaberta porta
portinhola
caminho destrancado

olho o lado de dentro
sinto o conforto
troco a liberdade

com o pé fecho a porta
atrás de mim.

(Pedro Du Bois, A CASA DAS GAIOLAS)

domingo, 15 de agosto de 2010

BREVES GESTOS

A cultura decorre
das tantas vezes
em que aqui estivemos

chuvas
nuvens
sóis

entender o voo do pássaro
cego
compreender a germinação da planta
terra
abdicar dos sonhos infantis
cigarras

esquecer o passado
em toscas esculturas.

(Pedro Du Bois, BREVES GESTOS)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

RETORNO I

...
o irmão que me acolhe
sabe das bolhas em meus pés
e dos cabelos ralos

mal enxergo o futuro
em privações passadas
malgrado estar de volta
me revolto por ter voltado

meu gesto
de desespero
e raiva

sou sujeira retornada
do passado esquecido
reaquecido
em frágil pessoa
assomando a porta

esqueço o tormento
no único instante
em que enxergam meu corpo

outro é o corpo na entrada
de quem foi embora
em tempos piores

a serpente sibila segredos
e a pedra amassa a sua cabeça

não mentira minhas verdades
na pele retirada em oferenda

quero o regresso
o retorno ao tempo passado
o espaço e o tempo recuperados

no soluço reconheço a perda
(todas as perdas são detalhadas)
e como peregrino me liberto
em choro e provações diversas

nenhum paraíso permite o reencontro
entre os que partiram na bruma
e na chuva retornam

a lama dificulta o caminho
mascara os pés
indefinidamente

sou o estranho que retorna
ante os olhos atônitos
dos que ficaram.

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, Vol. VIII)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O LIXO REVOLVIDO

Recortes

fragmentação
em novas formas
do quebra-cabeças
com que contamos

vidas

o picote
o retalho
o norte
reencontrado em pedaços

o nada

posto no cesto de lixo.

(Pedro Du Bois, O LIXO REVOLVIDO)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O COLETOR DE RUÍNAS

Os etruscos foram os sucessores,
depois, romanos estenderam as datas
em vias rápidas e os desfiladeiros
derrotaram exércitos e elefantes:

o minotauro aprisionado
em labirintos: desvãos
preenchidos em estátuas

(ao chegar para avisar da vitória
o mensageiro descobre a morte:
uso indesejado do corpo
fisicamente exausto)

a escrita simplifica a mentira
em traços e impérios ressurgem
de forma rememorada: romance
predestinado aos desfiladeiros.

(Pedro Du Bois, O COLETOR DE RUÍNAS)

sábado, 7 de agosto de 2010

ADORMECIMENTOS

Na repressão em que escondem as coisas
boas da vida: imagem negativa e obstáculos
ao despropósito dos hiperbólicos
discursos de palavras esvaziadas
em entendimento: reprimendas
contadas no espaço negado
ao crescimento. O sadio encoberto
em pecados não praticados. Medos
de horas escuras de adormecimentos

a bola e a boneca: o estrado e o gramado
desbastados em ácidos dribles e comidas
feitas no faz de conta: escolhas antecipadas
das deformações estéreis. Horrores contados
em histórias infantis de adormecimentos

a sociabilização e o anacoreta disputam
bagagens em frágeis ombros
de empregados destituídos de conhecimento:
levam e trazem notícias. Fecham as portas
após a passagem não parcimoniosa
das horas resguardadas em adormecimentos

a paz fragilizada em desencontros: os fortes
batem nos fracos e a situação se inverte
quando a fortaleza se prevalece em moedas
e aos fracos cabe a subserviência ilusória
de que tudo se resolve em adormecimentos

mentir e esconder as palavras malditas aprendidas
no meio da rua e ter respaldo em antigas orações
de corações compungidos: cordeiros e lobos
restabelecidos em espúrios adormecimentos

nada dizer sobre ânsias e angústias que destroçam
pensamentos até que reforços se esgarcem e ceda
o piso onde se sustenta a calma e a paciência: irmãs
acorrentadas em tristes histórias de adormecimentos

ao sentir o perfume das paixões ter desacordado
o corpo para não sofrer a inação da apatia:
o tempo ao amainar das expectativas possa
voltar o todo ao que era em adormecimentos

ter a certeza sobre os féretros e os nascimentos: fins
e começos irrelevantes para a raça: desgraça familiar
ampliada na mesma mãe: sentir no passar dos anos
o ir embora e o vir chegando dos adormecimentos

calculada maneira de dizer que omissões precedem
a participação em ilusões e venturas acabadas
no troar das armas não lisonjeiras das intenções
onde se fundem vazios e mentes em adormecimentos

rasgar e colar pedaços presos aos cantos e desfolhar
o caderno na procura da página onde registrados sonhos
e fazer a bússula tardia aos viajantes: desistir da busca
deixando na estante o volume em adormecimentos

sufocar e resfolegar: afogado e enforcado corpo acetinado
de mãos macias que o retém em prisão dissolvida em sonhos
e vigílias de lembranças de esquecimentos enaltecendo
a vista encoberta em noites de adormecimentos

demônio responsabilizado: dores e alegrias, risos
e lágrimas, encontros e desencantos: o espelho reflete
a emoção como forma a fornecer os entalhes
onde se registram passos e aconteceres adormecidos.

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, Vol. VII)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

MÚSICA

A oportunidade revela o gesto
da água ao escorrer o corpo: música.

Estar no lugar
da incerteza
e (me) perguntar
sobre a vida trespassada
em palavras.

Oportuno desencontro no espaço
temporizado: música.

Opor ao objeto a sua sombra
e retirar ao esboço o contorno.

(Pedro Du Bois, DESNECESSIDADES REENTRÂNCIAS & ALGUNS REINGRESSOS)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

AMESTRADO

O cachorro
gira o corpo
busca contato
sabe a quem bajular

abana o rabo
no reconhecimento
de quem lhe sustenta
a vida em alimentos
e alisa o seu pelo

nós, amestrados
sorrimos satisfeitos
com o reconhecimento
do cão que nos faz
companhia.

(Pedro Du Bois, OS CÃES QUE LATEM)

domingo, 1 de agosto de 2010

O POETA E AS PALAVRAS

Sento e escrevo.

Penso no que escrevo
no que não consigo escrever.

Minha vida segue
indiferente
aos meus textos.

Releio o texto
procuro encontrar
o que sinto.

Minha vida para.

(Pedro Du Bois, O POETA E AS PALAVRAS)