domingo, 31 de maio de 2020

ATOS














Ter a certeza do ato na ilusão
do momento: saltimbanco tempo
de exercícios e descobertas

refazer o ouvido musicado
em partes presas aos sons
passados: garras rasgam
o restante das roupas

entregar as mãos ansiosas
postas em preces surdas
do que não é escutado
nem percebido na dimensão
primeira dos sentimentos

no ato a prática esconde
as razões e a certeza surge
como salvação e condição
para que o todo se repita.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 29 de maio de 2020

PALAVRAS














Não me interessam os discursos
em parlamentos e parlatórios
vazias letras de elogio e censura
desconhecidas palavras alegres
desinteressantes ou mortuárias

em todos os verbos declino das ações
e o calendário se mantém suspenso
na minha mesa com recordações
futuras e implausíveis imóveis
do que não faço disposto aqui
até que a última sílaba se reparta
em eco e as geleiras se apresentem
em águas descidas e o curso mudado
sem palavras profusas e orações
esculpidas nas pedras de molhadas
trilhas em lágrimas

quero o que é dito aos poucos
em que o escuro adoça e a terra
silencia no ser esclarecido.

(Pedro Du Bois, inédito)




quarta-feira, 27 de maio de 2020

HORAS












HORAS

São horas miúdas
em que minutos pequenos
sequenciam segundos míseros
e ficamos sozinhos e calados
encostados no batente da porta

miúdas horas escorrem
porta a fora: estáticos corpos

não é nosso aquele tempo
em que atemporalmente
nos desprendemos
e vagamos instantes
que nos permitem

são miúdas horas
em que o tempo
nos desespera.

(Pedro Du Bois, inédito)

Modus vivendi

Poema, em:
http://amata.anaroque.com/arquivo/2020/05/poema_16

segunda-feira, 25 de maio de 2020

NOVO


neste mundo ofertado em preciosidades
ultrapassadas para o meu novo corpo
em que renasço para sua destruição
futura em concretizados ares
de ideias ainda não pensadas

pássaro implume escondido em sua morada
meus pais não se apresentam presos
em externos trabalhos e não abrem a porta
por onde sairei mais tarde nada levando

perco o mundo que trouxe e a jornada
se repete porque esvaziada de novidades
e não sou mais o novo e como velho
digo presente em todas as chamadas
pelo escravo escriturário empreendedor
negocista de antigas colchas de retalhos

(Pedro Du Bois, inédito)


sábado, 23 de maio de 2020

MENSAGEIRO













Seria você o mensageiro
trazendo o que eu não quero
receber: o selo o timbre
o lacre com que a mensagem
parte e o destino sabe
estar encerrada a palavra
que pode me fazer feliz

seria você o mensageiro
no bolso no alforge
na maleta: traz o destino
em forma de carta
e não lhe rompo o lacre
o sinete a goma o mistério
do que pode dizer para mim

seria você o mensageiro
que se fez ao largo: carta
jogada ao vento arrebentada
pela água extraviada violada
aberta e lida longe de mim.

(Pedro Du Bois, inédito)


quinta-feira, 21 de maio de 2020

QUERER













Disfarço com palavras o que quero
de liberdade e atos de saudades
não me mostro por inteiro
que o grotesco no personagem
me inibe e recolhe em sentires
e na intenção de ser livre

sou desatencioso comigo e a luz
se derrama sobre o campo: não
estou presente e o verde me
cansa e destrói os sonhos
do poeta e o que possa
ele querer no instante
em que o pé pisa
e desfolha e nem olha
nem sente a fragilidade
que se despedaça e morre
ali ao querer ser a terra
seca no que se transforma
e aquele escreve o que
não conhece nem sabe
e nem sonhará uma noite
qualquer no olhar ao lado
a mulher adormecida

o disfarce petrifica a face
e sem ela desaparece: não
ressurge em primaveras
nem no frio invernal pois
é o libertado em si preso
em outro igual ao primeiro
que se estende e permanece.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 19 de maio de 2020

VIDA



Dependuro lembretes são meu norte
sedentária vida de revistas de tontas
mortes e o telefone mudo estático
errático modo de me fazer sozinho
em sonhos futurísticos de novas
vidas amigáveis: livros fechados
dispostos nas estantes sou 
o estanque ser dos calendários
afogado em clipes e grampeadores
de cores envergonhadas e sem
passado: o que passou esqueço
não há segunda vez ou chance
de refazer o escrito apagar
as letras reescrever e dormir
no amanhã gongórico
ou parnasiano: dispenso a rima
a métrica desarmonizo e invejo
a raiva com que me olha agora
momento maior do que se apaga.

Fica o mapa dobrado sobre a mesa
nenhum lugar marcado ou demarcado
espaço onde o silêncio habita o término.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 17 de maio de 2020

NOVO














O novo
no que se repete
refloresta a ideia
devastada em milagres

não os milagres religiosos
divinizados em resultados
de trocar algo por outro
ou ressurgir os mortos

os milagres na renovação
diária do que se repete
e contraria a probabilidade
de se repetir como ato

floresce o novo: sendo repetido
não entendemos na mensagem
                                   o milagre.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 15 de maio de 2020

PASSAGEM













O ônibus segue
no banco ao lado
o homem conversa comigo
como se falasse sozinho
no que vai contando
das verdades em histórias
trágicas passagens de risos
poucos resultados práticos

o ônibus avança
o vizinho repete charadas
e piadas: mostra o anel
de graduação e a aliança
do casamento duradouro

o ônibus segue
no homem expressões transparecem
não há mistério no que conta
e sua vida não se faz em versos

a contragosto se despede
com o olhar perdido no corredor
e no que fala: o ônibus para.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 13 de maio de 2020

PRESENTE













No alto
espaço fechado em nuvens
e vírus predadores

em baixo o túnel
onde presidiários
fogem de seus crimes
em liberdades cercadas

ao lado a água tolhe a passagem
e a guarda-marinha se houvesse
coibiria o pássaro e o lobo marinho

do outro lado a estrada
no ir e vir de lugar algum
norte e sul desabalado

preso em mim assisto
a mais um capítulo
e o chocolate desmancha
em minha boca.

(Pedro Du Bois, inédito)

segunda-feira, 11 de maio de 2020

PASSEIO















dias passeiam entre músicas
cantores embalam insetos
esvoaçantes ventiladores

o coro repete o refrão
a voz repete a oração
o pecado em solteiras
                    intenções

tardes recolhidas no descanso
fazer a comida e lavar a louça
descanso para loucas noites
anunciadas em gritos roucos

o copo esvaziado de ontem
no palco das apresentações
bisonhas de arcos e flechas
feridos espíritos e amuletos

dias pesam músicas
enquanto a tarde anuncia
o atraso em regresso

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 9 de maio de 2020

QUIETUDE




A cidade quieta queda escuta ouve a inquietude

noite cega iluminada escura os pés batem

calçadas rasas raras pedras combatem a passagem

param esperam aguardam aceleram a paisagem

fechada enfumaçada enevoada irrisória vista

além aquém agora sempre perpendicular

ao mastro ao astro à estrela cadente quebra

o silêncio estático pastor da cor enegrecida

com que os espíritos almas calmas pessoas

revoam voam naufragam e suas virtudes

de olhos asas sorrisos e bençãos abertas

na chegada partida ida volta sumiço e as flores

descansam alcançam renovam os sentidos

sentimentos expostos e a noite quieta queda

o corpo o sopro o morno contato das mãos

sobre o espaldar a espada crava a vida morte

recanto do casto profeta esteta onírico canto

conto com que a cidade acorde desperte

repita o dia a noite a manhã a tarde é logo

o renascer das coisas objetos em si mesmos.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 7 de maio de 2020

CALADOS













Aprendemos a falar
e nos entendemos
                     a contar
e nos entendemos
                     a cantar
e nos entendemos

o silêncio em que
calamos o entendimento

dizemos o desinteressante
contamos o despropósito
cantamos as tragédias

mudos cruzamos passos
com que nos bloqueamos
em barreiras que nos prendem
               na sonegação da fala
na inevitabilidade dos números
e na dissolução da música.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 5 de maio de 2020

PERDÃO




Se confundo as datas perdoem-me sou apenas o velho
que não era ontem nas lembranças exatas do começo
se misturo os fatos perdoem-me sou apenas o idoso
que até ontem distinguia as coisas e as datas
se esqueço os atos perdoem-me sou apenas o ido
que no dia de ontem tinha a imagem e a ilusão
se pareço inerte perdoem-me sou apenas estático
que antes de ontem tinha os sons e os movimentos
se aconteço em frios corpos perdoem-me o inverno
que no ontem da vida me fazia quente e cálido
se mereço o fim perdoem-me se me arrasto tanto
que o passado ainda ontem me oferecia o eterno.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 3 de maio de 2020

DEFESAS














Nossas defesas
travadas
nas casamatas
atingidas
e trincheiras
pulverizadas

nossas palavras
prisioneiras
em outras celas

um prisioneiro cantarola
sua canção da infância

infame o silêncio
quando as luzes
apagadas aclaram
corações e sentidos.

(Pedro Du Bois, inédito)

Modus vivendi

Trocas, em:
http://amata.anaroque.com/arquivo/2020/05/trocas

sexta-feira, 1 de maio de 2020

FUTURO














Profundo tempo
em que a criança
buscava o futuro
com a alma aberta
na curiosidade táctil
em que a ansiedade
e medo lhe convinha

como nos convêm
e não somos crianças

ainda profundo
o tempo em que
queremos ansiar
pelo futuro próximo
e assustador.

(Pedro Du Bois, inédito)