terça-feira, 31 de janeiro de 2017

FALAR

entende o que falo
                      fala
             responde
conversamos sobre assuntos
que não nos dizem respeito

respeita meus pontos de vista
e não participa
         compreende as razões
         traduzidas em nova linguagem

gestos descompensados
de palavras
compensam a leveza
da linguagem

repete o que falo (de outra forma)
e a vida segue seu caminho
em silêncio

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 29 de janeiro de 2017

MUNDO

a ilusão da chuva contra a vidraça
a ilusão do olhar da mulher pela janela
a ilusão do pássaro em sobrevoo
a ilusão dos amantes nos corpos sobrepostos
a ilusão do mágico ao desaparecer objetos
a ilusão das letras em versos
a ilusão da luz sobre os insetos
a ilusão do saber ante o inexplicável
a ilusão de fazer repetir o dia
a ilusão no refazer corpos estraçalhados
a ilusão derradeira da sobrevida
a ilusão do barco em águas deslizadas
a ilusão da visão embevecida dos pais
a ilusão da chuva contra a vidraça

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

NADA

A imensidão em nada refaz espaços
ocupados na aliteração do espírito
indisposto ao corpóreo esforço: enfado
e alguma forma de pecado: o escravo
se faz transparente na ilusão do toque
telefônico: o nada prolifera seriedades
no limite inócuo das apostas: o ator
representa a vida em cenas possuídas
ao extremo: o nada impulsiona luzes
por onde passam homens comuns
que na obrigatoriedade dos excesso
requisitam a plenitude alcançada
na atuação aprimorada do texto
decorado: o espírito indiferente
ao corpo crispado sobre o copo
despejado na ocupação do espaço
em nada
       em nada
          nada.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Isla Negra 437 + Navegaciones111.docx

Pedro Du Bois
Brasil
Passado
 
Escavamos destroços
retiramos camadas
terras e terras 
sobre séculos
 
na busca das respostas
que não existem: (pois) 
apenas crescemos
pouco a pouco nas gerações
que nos sucederam
 
assim
como música e vento
e árvores
 
escavamos trajetos
felizes em nos descobrirmos
menores e meninos.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

FÚRIA

Tem no sentimento
a fúria
interminável
com que preenche
as horas vagas
dos encontros

avassala o tempo
em subterfúgios para conseguir
o intento: o contato na pele
indelével do encanto quebrado
no reflexo: fúria incontrolável
no afeto negado ao pensamento
teórico das contradições.

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 21 de janeiro de 2017

MUSA

Da musa retiro o enfeite

            nua
            circula
            em jardins suspensos

na imagem
a memória gesta
a fala onde se insere

a musa recompõe o mistério
entrevisto
              antevisto nas sombras
              do vulto em retirada

infeliz o velho expira o corpo
descoberto: o cego se penitencia
da visão esquecida em luzes
              do que se lembra

a musa se dispõe ao rito: aguarda
em cada linha a roupa costurada
em textos infindáveis da nudez
em detalhes na entrega absorvida
                                 pela cidade.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

SEMPRE

há o discurso
menor da cassandra
não original do estio

tempos de febres alvoroçadas
pela perda de comando

o indistinto rufar das asas
descoloridas da besta
no basta anunciado

tempos de falsas alegorias
em carnavais (re)começados

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

MODOS

Identificar na sanha
a cena indiferente onde consumidos
corpos em suas belezas

responder questões transpostas
dos desfiladeiros: ter as mãos
na aspereza do encontro

recomeçar a troca imaginada
em que tormentas amainam espaços
demonstrados em assustados tempos

rememorar o alcance inabitado
da flecha disparada ao contrário
no corpo do indefeso ser

restabelecer o contato no extremo
retirado ao sumo do instante

reacender luzes amanhecidas de penumbra
ao vislumbrar no discurso o trecho
menor das inconfidências.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 15 de janeiro de 2017

PERDAS

Dizem que perco
o que perco
como perco
dizem como devo me comportar
na perda: que a perda é inerente
na sustentação da vontade
pela vitória

dizem que me perco em argumentos
diversos do sujeito: direto do ocaso
por onde passam as trajetórias

dizem que perco o sentido
que perco as luzes
que perco o escuro
prometido aos que virão

dizem que perco a razão
e me escondo sob escombros
não removidos das construções
ordinárias dos dias.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Revista Labirinto Literário

Pedro Du Bois

Mudar

Busco a mudança
no incógnito regresso
ao ventre
exijo outra
         nova
         repetida forma
         na deformação do corpo
         em desconhecimento

tenho o medo resolvido
entre os dedos: a coragem
nas brincadeiras
infantis do reconhecimento

mudo o foco no desatino
das sentenças
em que como igual
                  permaneço.

(Labirinto Literário n. 46, ano 11, Jan/Fev/Mar 2017, página 21)

ESTAÇÕES

O frio permanece na hora
quente do verão entrante.
              Findo o tempo de permanência
              aberto no instante da despedida.
A memória revolta vidas
    antecipadas na partida.
                       A noção do medo imagina
            a passagem do espírito acolhedor
                          em esquentados outonos
               de invernos adquiridos ao ciclo.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

(A)TENÇÕES

ouve: o progresso pulsa sensações
eletro-eletrônicas e a mecânica capta
a aspereza das roldanas: pregos
em paredes: cantoneiras abertas
de chuvas passadas no estertor do som

vê: o regresso cancelado em viagens
despossuídas de sentidos: corpos
em sóis de desabrigo: malas
de roupas não usadas na sensação
do possuir o objeto: profusão
de cores na indicação da jornada

sente: a maciez do tecido anteposto
na dureza do estilo: ordens: comando:
o desmando desarma sorrisos na volta
ao nada readmitido pela incerteza
das cordas distendidas no universo

sustenta: a glória reacende
o corpo: doenças trabalham
mazelas: retornam no pouco
conhecido da verdade

(Pedro Du Bois, inédito)


segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

METÁFORAS

Uso palavras distintas
                      diferentes
                      rearranjo modos
                                     tempos
                              significados
                      distraio o sentido
                      ameaço o sentido
                      rechaço sentidos
                                   sobre o que escrevo
                                   não digo
                                   não falo
                                          resvalo no contexto
                                          o âmago conduzido
                                          da verdadeira palavra

alegórico
dispenso o fator
direto na comunicabilidade

a floresta me consome em gritos
abaixo da linha da saudade.

(Pedro Du Bois, inédito)
         

domingo, 8 de janeiro de 2017

CAMINHAR, na leitura de W. J. Solha



DU BOIS OU NE PAS DU BOIS,
C´EST LÀ LA QUESTION

W. J. Solha

CAMINHAR é a primeira parte do livro POEMAS, de Pedro Du Bois, Projeto Passo Fundo 2016.
-
Tenho resenhado livros, ultimamente, que me levaram a um processo que se pode chamar de decifração, decodificação. Fiz isso com vários contos de Everardo Norões que acabaram ganhando o prêmio Telecom do ano passado, grandes histórias – reais - sempre sob suas estórias, que as reduzem até o aparentemente simples.  Fiz isso, também,  com o mais recente INTERSECÇÕES, de Cleber Pacheco,  que – opostamente - de cara, mostra de que simples não tem nada.
Bem,
agora recebo o POEMAS, de Pedro Du Bois, e me sinto como quem pelo menos pensava ter traduzido a pedra de Roseta, o código genético,  e, de repente, dá de testa com a Pedra do Ingá.
-
Apesar de “conhecer” a poesia anterior desse estranho gaúcho, de quem já produzi resenha com o sintomático título de ENIGMA DU BOIS, pensei que pudesse – depois de passar pelo teste da abertura – que se chama CAMINHAR - acelerar o passo, mas vi que isso não seria possível e que me exigiria muito, mas muito mais esforço mental  ( e tempo ), de modo que  - “Devagar com o andor”, eu me reprimo,  e – pés no chão, pois estou com meu próprio livro em andamento – faço agora com o sapateiro que, feliz depois de ver aceita uma observação que fizera sobre as sandálias de um retratado por Velásquez, arvorou-se em crítico de luzes e sombras da obra de arte, pelo que recebeu um severo
- Zapatero:  a tus sapatos!
Não vou nem tentar gastar sola agora, portanto, com os demais livros do POEMAS: fico, por enquanto, com suas primeiras vinte e uma páginas.
-
OK.
Em  O ENIGMA DU BOIS eu aventara a hipótese, primeiro, de que seu processo de criação seria o mesmo do proclamado  pelo movimento DADA, em que se poderia recortar frases soltas de um jornal, metê-las num saco, sacudi-las  e juntá-las ao acaso. Vi, entretanto, que não se tratava disso, mas de algo na linha do FINNEGANS WAKE, em que uma intenção poderosa subsiste sob cada palavra. Meu inglês é o do ginásio, e me é impossível entender o que Joyce diz no primeiro parágrafo desse seu derradeiro livro, mas veja  se você  consegue:
-
riverrum, past Eve and Adam´s, from swerve of shore to bend of bay, brings us by a commodius vicus of recirculation back to Howth Castle and Environs
-
Tradução de Augusto de Campos:
-
riocorrente, depois de Eva e Adão, do desvio da praia à dobra da baía, devolve-nos por um commodius vicus de recirculação devolta a Howth Castle Ecercanias.
-
Não entendi. Daí que vou à versão de Donaldo Schüler:
-
rolarrioanna e passa por Nossenhora d´Ohmem´s, roçando a praia, beirando ABahia, reconduz-nos por cominhos recorrentes de Vico ao de Howth Castelo Earredores.
-
Está mais claro.... mas não faço ideia de por que o tradutor trocou o Adão e a Eva por Nossenhora d´Ohmem´s.
Bem.
Guimarães Rosa, em Grande Sertão: Veredas, segue essa recriação de linguagem, como se vê logo no começo do romance:
-
Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. 
Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto.
Todo dia isso faço, gosto; desde mal em minha mocidade.
-
Essas coisas sempre me levam ao italiano límpido de Dante ao começar La Divina Commedia dizendo que “Nel mezzo del cammin di nostra vita”, que a tradução de José Pedro Xavier Pinheiro transformou num simulacro do Hino Nacional:
- Da nossa vida, em meio da jornada....
Volto a Du Bois. No poema 18 dessa primeira parte de seu livro POEMAS, que é CAMINNHAR, ele diz que “Trancafia a palavra em signos”, “Comprime o significado”, pelo que me parece que podermos, em seu próprio texto, chegar ao seu sistema.
No poema 21, ele diz ( lembre-se de que o tema é o caminhar) :
“A luz que ilumina a intuição.
Onde coloca os pés.
Onde fixa os olhos. Descobre
o destino da paisagem e se diz
ciente da responsabilidade.”
-
O que é que ele faz, então?:
“APAGA
A LUZ E APROVEITA
DA ESCURIDÃO
O POUCO”.
Esta, parece-me, é a sua poética.
Veja só o poema 32: ele  me lembra de imediato uma cena de  “Sobre Meninos e Lobos” – do Dennis Lehane, filme de Climt Eastwood, e também uma, igual, de “O Iluminado” - de Kubrick,  - mas minha memória vai bem mais longe, para um faroeste – filme ou história em quadrinhos – visto na infância:  o índio, percebendo-se seguido, para, vê que seus mocassins deixam rastros muito visíveis, anda para trás, pisando as próprias pegadas, apagando as já repassadas, até chegar a umas pedras, donde, correndo, parte pra nova trajetória. Eis o Du Bois, como se estivesse entre os que conviveram com os moicanos:
“Repisa passos
ao contrário
na direção oposta –
do seguimento: fica
sobre a terra conhecida.
-
 Onde o desconserto ocorre:
cessa a busca
no convencimento
da permanência.
-
 Apaga na trilha
o espaço ocupado
em cada passo.”
Ou seja.
Du Bois não quer ser lido por quem não “apaga/ a luz e aproveita/ da escuridão/ o pouco”. Por isso “faz da travessia / pesada cruz “ ( poema 1 ). E “ diferencia o acompanhante do intruso. / Distingue o cheiro a vista o tato” (  Poema 5 ).
Por que?
Whay? - como grita ao céu o Jesus Cristo Superstar, no Getsêmani:
Jesus Cristo.
Volto ao Poema 1:
“Premeditação: nasce em pecado
Faz da travessia
pesada cruz.
-
Sofre no aprendizado
a tragédia inerente
à sua condição. “
“Sofre no aprendizado”:
- I'm sad and tired.
Mas é bem Du Bois o final inesperado, agora bem estilo A Última Tentação de Cristo – romance de Kazantzakis, filme de Scorcese:
“Conforta saber da perdição
originada no momento sôfrego
e que corpos se entrelaçam.”
Viu aí? :
Sexo.
O tema volta no Poema 2:
“O animal acasalado
expulsa demônios de terras não aradas.
-
Vê e compreende a necessidade
do desejo.”
-
Palavras que se repetem nos versos desse CAMINHAR: Desejo, pecado, fome.  Ainda no Poema 2:
-
“a fome atravessa
a terra onde se embrenha.”
-
Isso prossegue no poema 3 ( e tudo agora começa a me parecer mais simples):
“Apressa o passo
a fome dirige o pecado.”
(...)
Não pensa o pecado
e o mal se acomoda
na sobrevivência.”
-
Poema 4, terceto final:
-
“Acorda e concebe a fome.
Caçador e caça.”
-
O ENIGMA DU BOIS cresce no Poema 6:
-
“Assusta o pássaro. O urro retorna
Em gritos. ASSUSTA RECONHECER O OUTRO
NA IGUALDADE.. A desigualdade
na aproximação em corpos cansados
das jornadas. SABE DA VIDA
O NECESSÁRIO À FUGA E AO SILÊNCIO.
O segundo passo predispõe a sequência.”
-
Ele está nos contando uma história! 
Poema 7:
-
 “Cessa a caminhada (...) (corpos / pedem contatos) Penetra /a carne e a recebe em vontade.” // “Há vida na repetição. Rompe o cordão / em desespero.”
-
Este final é muito bom:
-
“ O choro interrompe / a extinção da espécie”.
-
Mas isso não basta. Lá adiante, nesse mesmo CAMINHAR ( do livro e da vida ), ele, no Poema 17,
“Mede palmos. Há medo. Receia
o encontro: advinha o que se esconde
no encontro.”
19:
(...)
“Seguir em frente significa
deixar o consentido)”
-
Agora leia isto, do Poema 24, com atenção:
-
“O amor relembrado / é dor continuada. (... ) A família constituída / com carinho. O AMOR /EMPAREDADO EM DESCENDÊNCIA / RESSOA ORDENS NÃO CUMPRIDAS”.
-
O Poema 25, nessas circunstâncias, é poderoso:
-
“Através da porta a madeira
assume o gesto do reencontro.
Volta. Está além do retorno
e tem a frigidez do corpo
desacompanhado.  O medo
impele a mão que toca
a madeira. A solidão ecoa
o passado. O FUTURO É O ESTRONDO
COM QUE A CHAVE É GIRADA.”
-
A chave. É a mesma que reaparece no Poema 41:
-
“Muitas vezes multiplica o trajeto” (...) JOGA A CHAVE / FORA E SE MANTÉM COMO HÓSPEDE.”
-
Bem, aí está.
Pode ser que eu esteja absolutamente certo, esteja absolutamente errado. Se você se sente à vontade, o livro tem seis outras partes como essa, vá em frente. A Pedra do Ingá – aqui, nas fuças da gente - não foi, ainda, decifrada.  





Dizer

Pedro Du Bois
Brasil
Dizer

Disse do fim do mundo
            o medo irrecorrível
            de não estar
            mais aqui

                    na semana
                    próxima:

disse dos compromissos
                        inadiáveis

do estudo
     dos filhos
           das férias
                  programadas
                  no longo
                       prazo

disse do fim de tudo
e sorriu dívidas

              impagáveis.


sábado, 7 de janeiro de 2017

LER

Avanço a leitura
descontinuada
diuturna de adulto
adulterado em palavras
de verbos elididos
na libertação do personagem
minorado no sofrimento
de páginas intercaladas

risco na folha a forma
aproveitada em viagens

acolho o livro sob o braço
e descanso a vista em horizontes
anteriores ao mistério

retorno a leitura procurando
deduzir os começos repetidos

fecho o livro: depositado na estante
inalcançável da lembrança: repouso
a mente: olhos se fecham por instantes.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

INSPIRAÇÕES

Respiro o ar contaminado da cidade
aspiro o ar artificial da autoridade
retiro o ar recondicionado da escada
sustento o ar poluído das esferas
compreendo o ar com que me ofende
calo o ar rarefeito dos encontros
descubro o ar (quase) perfeito do perfume
expiro o ar enclausurado enquanto vivo.

(Pedro Du Bois, inédito)