sábado, 31 de outubro de 2020

PAIXÃO

 








Ávido de paixão

passo a vida

gestando instantes

 

(devorados corpos)

 

refaço amores transplantados

 

recrio imagens antepostas em gestos

e o corpo cede paixões inúmeras

                         e renováveis

 

avesso ao estar ciente

desconsidero o aviso

e me atraso

no abraço infrutífero

da árvore com o solo

em decomposta paisagem.


(Pedro Du Bois, inédito)



quinta-feira, 29 de outubro de 2020

RECOMEÇAR

 







 

                               Na interrupção do estilo

                               esteio da minha vida

                               estiva do meu trabalho

                               estranho gesto de desprezo

 

             recomeçar significa

             a inibição do antes

             na composição da peça

             recolocada

 

a oferta indesejada do esquecimento

e a voz ofegante de quem foi vencido

 

             ofereço o pescoço ao cutelo

             e me divido em partes:

 

                                o esquartejamento amplia

                                a sensação da perda

 

estimo a recompensa

estrago o restabelecimento

escravo me submeto.


(Pedro Du Bois, inédito)



terça-feira, 27 de outubro de 2020

Arcanos Grávidos

 O Homem Despegado em Olhos, excerto:

https://arcanosgravidos.blogspot.com/2020/10/no-inicio-o-resquicio-excerto-de-poema.html


ALÔ

 


Avanço contra o escritório

destroço mesas

e aparelhos telefônicos

 

alô quem fala?

alô que barulho é esse?

alô alô alô...

 

no tempo desperdiçado

aviso ao contratempo

sobre a escalada

            dos aparelhos guardados

            em caixas inofensivas

            na aparência:

 

alô alguém aí?

alô alguém ainda por aí?


(Pedro Du Bois, inédito)










domingo, 25 de outubro de 2020

ÁPICE

 


No ápice do sucesso

               percebe o apagar

               das luzes

 

         reflete a escuridão

         em que se aventura

         longe do futuro

 

o tempo disponibilizado

no alargar da terra

ao largar a terra

no largo abraço de despedida

 

                o ápice recontado

                prepondera no corpo

estendido: nas cobertas

                  o frio esquecimento.


(Pedro Du Bois, inédito)



sexta-feira, 23 de outubro de 2020

EFEMÉRIDE

 









Na efeméride o fundo falso afasta

o sentido da insegurança

 

 o féretro sai do corpo principal

 fechando a porta da capela: orada

 onde em imagens sou sacralizado

 

o infausto gesto é a briga

de abrigadas desavenças

no obrigatório fundo

falso: inconsentido

 

   no cadafalso cabem penúltimas

   razões: a efeméride se completa

                em lapsos.


(Pedro Du Bois, inédito)

https://pedrodubois.blogspot.com/

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

RETESADO

 








Retesado em músculos

submeto ao espelho

fragmentos da imagem

 

cacos desfragmentados

músculos desperdiçados

 

retesado em arcos

estendo o corpo

              em flecha

              arremessada

              ao destino.

(Pedro Du Bois, inédito)

https://pedrodubois.blogspot.com



segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Modus vivendi

 meu desenho, em:

http://amata.anaroque.com/arquivo/2020/10/pedr

AOS AMIGOS

 








Se meu amigo for preso

como comum criminoso

- eu pequeno burguês

  confesso –

acompanharei o caso

sem ser percebido

e rezarei pela redenção

dos seus pecados

 

(durante a noite assisto

 programas que tratam

da intromissão na vida

de pobres coitados: deixo

o número telefônico e pago

pelo meu voto)

 

se meu amigo for solto

sem que contra ele nada se prove

serei o primeiro a recebê-lo

com votos de que tudo

seja esquecido.


(Pedro Du Bois, inédito)

https://pedrodubois.blogspot.com

sábado, 17 de outubro de 2020

Modus vivendi

 Circense, em:

http://amata.anaroque.com/arquivo/2020/10/circense

CIRCENSE

 








Visito o circo

pela manhã: o palhaço

                   foi ao banco

o trapezista ao mundo

o equilibrista ao dentista

a violinista ainda dorme

 

os animais alimentados

descansam em suas jaulas

 

os homens comuns da cidade

fazem o restante dos trabalhos

 

sentada sob a lona

lendo o jornal do dia

a bailarina procura

algum emprego estável.


(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

QUINTANILHAS

 







 

No labirinto me ajusto

- invento o tempo –

em meandros assisto telas

televisoras de vazios

e me enterneço nas mudanças:

variados sexos recompostos

e o monstro demonstra

suas fraquezas: a morte

me invade e dela retiro

a essência da concordância

 

- não saio daqui

  enquanto as lojas

  estiverem fechadas –

 

perdido em lembranças

a imagem benfazeja do poeta

 

             que passou

             mesmo sendo

             passarinho.


(Pedro Du Bois, inédito)


Modus vivendi

 Tempo, em:

http://amata.anaroque.com/arquivo/2020/10/tempo_3

Desenho, em:

http://amata.anaroque.com/arquivo/2020/10/pedro_du_bois_1


terça-feira, 13 de outubro de 2020

PERGUNTAS

 








Não pergunto

por que nasci: estou aqui

                        e basta

 

a origem 

besta idiossincrásica

  de antenas atentas 

  busca diferenças

    e as encontra nos detalhes

    que fogem aos seres.

 

Pergunto por que estou aqui:

estar aqui responde a todas

as questões anteriores

e definitivas.


(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 11 de outubro de 2020

SONS

 








Quando nada tinha nome

o gesto indicava

cada objeto

         bicho

         trajeto

 

o som grave das cavernas em eco

o som agudo da dor em arco

o som inicial do som destaco

 

                   começaram a diferenciar

                   o pouco percebido: a imitação

                   estabeleceu os versos

                   primitivos do poeta.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

NÃO


 







Não desgosto estar contigo

           comigo o anzol pesca

                        o sol queima o mosquito

                        o mar avança suas ondas

                                    

teu sonho impenetrável

não me recebe e não sonho

no sono que me faz acordado

 

meu livro marca a folha ilegível

e na música – a minha – o tom

agudiza a lembrança: a solidão

contempla de forma amigável

 

estar contigo é aguardar

a hora – que me falta –

necessária ao corte da fruta

amadurecida: reter no copo

o líquido e esquecer o anzol

dentro d’água.


(Pedro Du Bois, inédito)






quarta-feira, 7 de outubro de 2020

RESPOSTAS

 








Alguma vez tive a soberba

de dizer: eu sei a resposta

(a resposta ia longe de mim)

 

estraguei meu dia

com a resposta

errada

 

(encerrei a soberba na caixa 

 lacrada aos pósteros)

 

outra vez quase repeti

como correta a bobagem ouvida

na passagem entre canais

 

(senti a soberba forçar o lacre

 da caixa: sussurros e lamentos)

 

hoje falo sobre o nada com a humildade

inerente – ou falsa – aos pedintes


(a soberba conservo fechada

 na caixa: por livre vontade).


(Pedro Du Bois, inédito)

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

SAUDADE

  








Ausento-me

na medida dos acontecimentos

 

                                  aprendo

                                  repito

                                  repreendo

     não posso ficar

                       longe

                       o desconhecimento

                       me atrela: mar ao barco

                                       ar ao pássaro

 

sem destino driblo o que acontece

em trechos ininterruptos e intermináveis

 

quanto mais me perguntam sobre

todas as coisas menos digo 

do que ainda não sei.


(Pedro Du Bois, inédito)

Modus vivendi

 Desenho, em:

http://amata.anaroque.com/arquivo/2020/10/pedro_dubois

sábado, 3 de outubro de 2020

RUPESTRE

 








Cravo a estaca

quebro a pedra

no começo

 

quedo a pedra

no que mereço

 

cravo a pedra

na terra imerecida

 

cravo a minha vida

na pedra e me revelo

figura conhecida

 

cravo a figura

no mundo

que me sucede.


(Pedro Du Bois, inédita)

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

INCERTEZAS

 


A incerteza da injúria

lançada como rede tecida em cordas

transpassadas pelo espaço vago

vislumbro a certeza atenuada do castigo

desdigo o ditado e me faço em milagres 

cesso o orgulho e esbravejo raivas acumuladas 

nada se compara a estar ciente do prejuízo.

 

Avesso à água cristalizada

do batismo pagão me ofereço

ao sacrifício desde que retirem

de mim a dúvida e façam

em minha mente o desenho

irrecusável do destino.

 

Trago a destreza da mão

no corpo e retiro os excessos

parasitados: a incerteza

concorre ao espírito e consome

a injúria pelos dias.

(Pedro Du Bois, inédito)