quinta-feira, 30 de setembro de 2010

PORTAS E VENTOS

Terra misturada
.....................orgânica
.....................organismo saturado
.....................em impurezas

ressecado pedaço
onde piso

terra pura
fértil e cheirosa
da minha infância
e do jardim da casa

terra perdida em passos rápidos
onde vendo a minha vida
em progressos de misturas hipócritas.

(Pedro Du Bois, PORTAS E VENTOS, Ciclo Um)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

ALGUMAS PALAVRAS

Quem estranha o som
trazido pelo vento: madrugada
pródiga em silêncios

fugaz instante
de recordações
e tristezas
em recado ungido
ao som que atravessa
a rua, destranca
portas, descerra janelas

o grito revisa a hora
em que a morte
traz o cruel
recado: palavra.

(Pedro Du Bois, ALGUMAS PALAVRAS)

domingo, 26 de setembro de 2010

A MÃO QUE ESCREVE

Do traço retiro o ponto
precisa chave de entrada
ao caminhar constante

ponto a ponto
o novo traço
atravessa
o visto
e o vislumbrado
que fechado em nova saída
tranca a passagem
abrandada
em ventos
e sentimentos

destroços, pontuais encontros
não me dizem sobre o avançar

sobre o retorno escrevo
a confusão da volta:
revolto.

(Pedro Du Bois, A MÃO QUE ESCREVE, VIII)

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

SERES

Chamar ao tempo firmamento. Corpo afirmado
ao elemento inercial dos propósitos. A química
e o contato da sobrevivência. Ao corpo cabe
a providência da defesa em alertas diários.
Horários propícios ao desativamento. A mão
sustenta o corpo e a entrega se substancia.

(Pedro Du Bois, SERES, 5)

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

DOS AMORES

Amo pelos olhos tristes
adoro pelos olhos límpidos.
Sorrio contigo.

Sei no gesto a aproximação
sofro em cada negativa
afirmo o amor com palavras lindas.

Amo por tuas mãos macias
adoro por tuas mãos ásperas.
Caminho contigo.

Sei a hora do abraço
e sofro cada afastamento.
Afirmo o amor em jogos sem palavras.

(Pedro Du Bois, DOS AMORES, 5)

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

TEMPOS

Falamos de loucuras acontecidas antes do tempo
da seriedade abocanhada na graça dos corpos
inúteis em camas desarrumadas

amantes onde fomos enamorados
cada um olhou seu lado futuro
aberto ao nada dos exames médicos

inúteis seres não desabrochados: erros cometidos
em guindastes levantando honras aos méritos
preteridos, quisemos falar da hora
sem sentido, não o murchar
das flores no vaso, da água
que as apodrece ao contato, jovens

imitamos comportamentos adultos, adúlteras
formas de nos dizermos exatos cúmplices,
obra desfigurada ao expressar em palvras
o não sentimento, vontades eruptivas
de corpos quentes e nenhuma saudade

incompletos, evitamos olhares e vidraças
fechadas em câmaras que escureceram o quarto:
coberto, o espelho não nos refletiu, a opacidade
oportunista rendida aos medos
encontrados em gestos, toques e silêncios

voamos ares desconsiderados, como efígies
nos mostramos, um e outro lado,
faces intercaladas: tivemos pressa
e o rápido encaminhar do caso
nos trouxe acessos, raros instantes
de quase calmaria: poucas madrugadas

não devemos relembrar as loucuras,
cenas arrumadas, postiças, fora do tempo,
enredos mal anunciados, gritos lancinantes
tornados arremedos de conversas:
deslustramos histórias ao racionalizar
a época, circunstâncias, eventos e mentiras
desdobradas além da possibilidade
e encerramos nomes, locais e datas

refizemos em minutos anos desconexos
em tramas: não devíamos nos encontrar,
ficados distantes em vidas acontecidas
quando significados se reproduziram
em chamas consumidas ao todo: nada.

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, Vol. XI)

sábado, 18 de setembro de 2010

RETRATOS

Meço a distância dos amigos.

Esmaecidos
amarelecidos.

Amigos resistem
fotograficamente
eternizados em juventudes.

Meço a memória dos amigos
nas brincadeiras de antes.

Na conversa fácil
com que atualizamos a vida
desde quando fomos distanciados.

(Pedro Du Bois, RETRATOS)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CAMINHO

Tenho o caminho e a companhia
a hora e o tempo
mas não estou pronto ao desfecho:
na dúvida persistente
no canto assombrado do pássaro
e na sorte anunciada em sina.

Contraceno minha morte:
pouco sei sobre o futuro
assalto ao coração em pulos:
o corpo teso nada espera dos fatos.

Invado o trajeto.
Desloco o corpo em arroubos:
roubo o beijo da mulher
mais próxima.

(Pedro Du Bois, O ESPAÇO DESOCUPADO)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

PRIMEIRO DIA

No pátio vislumbra a árvore carregada
em frutos, não espera a hora da colheita;
a mão em leque sobre o galho; tem na mão
a fruta ainda verde, o vento entre a ramagem
indica a fonte e o pássaro negro em plumagem,
indiferente à árvores e ao fruto olha o homem
que tem na mão a fruta; não ensaia o voo, conhece
seus limites e teme pela sorte; a mão carrega o fruto
despreparado para ser comido; a água não apressa
o futuro; mesmo limpo está impuro, a vida é assim,
seca em ressentimentos, úmida de carinhos, aguada.

(Pedro Du Bois, A DIFERENÇA ENTRE OS DIAS, 3)

domingo, 12 de setembro de 2010

A PEDRA DESCORTINADA

Sou pedra
lançada
contra o vento

andante moinho
onde se perde
o tempo

de que vale
a mim
ser pedra arremessada
através do tempo
como consciência
e crítica

se ao vento
não cabem palavras?

(Pedro Du Bois, A PEDRA DESCORTINADA)

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

RAZÕES

a dança
os olhos
doces palavras
embriagam o vinho
e a cerveja
e o uísque
e a razão

momento e sentimento
em que a razão se apaga

embriagado corpo
na saudade
e na razão para ser presente.

(Pedro Du Bois, COMPORTADAS RAZÕES, VII)

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A AUSÊNCIA INCONSENTIDA

Tantas mortes
carregamos

morremos

somos
uma das tantas
mortes

carregadas
por quem deixamos

(Pedro Du Bois, A AUSÊNCIA INCONSENTIDA)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

FICAR

...
primeiro caminho, carcomido em páginas rasgadas,
o animal sobre a calçada espera a vítima, rosna, grita,
impede a passagem; na volta, o retorno se faz quieto,
não adianta enfrentar a fera, para nada serve encarar os fatos;
não vai a lugar algum, na rua simples e destrancada o passado
perdura nas janelas abertas das casas conhecidas.

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, Vol. X, fragmento)

sábado, 4 de setembro de 2010

CONCRETOS

Não idealizo:
sou fruto
ao pé
da árvore

como atos
de coragem

a vida se resume
em toques e vizinhanças
onde ideólogos buscam
na concretude do gesto
as explicações da sorte.

(Pedro Du Bois, A HORA SUSPENSA)

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

LEITURA

Não memorizo
palavas soltas
nem guardo comigo
o texto todo

gosto de saborear
as frases
aos poucos.

(Pedro Du Bois, PEQUENOS ESCRITOS)