quinta-feira, 21 de abril de 2011

PLANOS

I
Ignorado espírito de luzes: é o alvorecer,
não o dia em plenitude, milagres favorecem
os seios da mulher amada, ódio sobre a pedra,
o óleo derramado aos poucos queima
a vela que se apaga em si, escuro substituído
pela aurora onde se apega e reza a primeira prece

ressurgente: manhãs quente de verão,
inquieto ser ignora as regras e se declara
senhor e varão, servo mais servil, imprestável
figura rastejante aos pés: o soberano conhece
no fulgor a raiva e o repele em imprecações

aonde o leva o corpo em fuga, desertos
e recantos do cérebro a maquinar
a volta; na revolta dos dias pensa entender
a lógica da conquista, aprende errado o lado certo
e debruçado sobre a encosta procura o vento

lamento em ecos, repetidas palavras em tons;
no final da vista o horizonte esconde o segredo
do encontro; desencontradas orações esquecidas
entre o microcosmo da vingança e a sanha assassina
onde passam lanças fixadas em corpos inocentes;
o preço da vitória é morte insensível

aquece a lâmina enterrada no peito como verdade
ao desafeto; sua ignorância exige os passos, agita
o frasco e bebe o começo; não há mais do que isso,
sabe o bastante para qualquer ato de barbárie
na intenção dos deuses apequenados em suas bases

II
sente o cheiro ruim do esgoto, seu corpo decomposto
em fezes; urina escorrida pelas pernas dilaceradas
em feridas; a derrota representada em essência
fossem perfumes caros; a escuridão difama
o catre do apagado ser em esquecimento

seria diferente fossem seus irmãos soldados, não pobres
coitados iguais em ignorância e ganância; diabos vencidos
em cansaços e mal feitos; armas descarregadas em medos
de sombras e sutis diferenças entre a pedra e a mata, olhos
embaçados de burguesas vidas sem o brilho letal da coroa

rei por um dia, tempo exato da confirmação e discursos;
banquete entre mesas, vinho fácil em cálices;
esplendor e glória no instante do reconhecimento;
nuvens ante os olhos, cegueira instantânea do sucesso;
não devia ter prometido a partilha

o aparelho cede ao contato e a roda gira o corpo
que se espreme entre o concreto da madeira e a pele;
o espaço cede ao encontro do que sobra: quase nada
da vida exposta aos algozes: seus olhos não vislumbram
o conteúdo das orações e o carrasco grita suas verdades
e as que o condenado deve contar, repetir e assinar
a confissão e o fim é abreviado, suas dores terminam
no fragmentar dos ossos e esmagamento dos órgãos:
tudo é finito repete o religioso que acompanha
a súplica e suas mãos, ausentes, dizem da impotência

III
há a redenção das almas, o dia límpido e branco
das promessas e a eternidade exposta em líquidos
clarificados; cores presentes diante dos olhos
reabastecidos de bondades; tardia hora
da confissão e do perdão negado

da vida nada leva, o material esgarçado dos panos
abertos ao público e mostrado o vazio,
insuflada a multidão repete a cena; fecha os olhos
aos incautos passos e a cruz é passada de mão
em mão; pecados pregados na madeira; o todo
e o nada na elucidação dos tempos; mantenha
a vista no horizonte, de lá surge o outro
instante, a nova direção e a dimensão posterior

iguais em ideias, o amor varia na intensidade
dos encontros; palavras entendidas no princípio
do novo tempo; a palavra envelhece de imediato;
a igualdade significa a continuidade do nada
e o predador se opõe ao encontro; dele
o seguimento da batalha em novos palcos

IV
após a hora da vingança encontra a calmaria dos barcos;
surdo, não ouve o canto das sereias; cego, não as vê
sobre as pedras; bruto, esquece as pedras e delas não
tira proveito; primitivo, mantém o hábito e os gestos
no discurso repetido: o amor, o amor, a romã rompida
em sua casca e a imperial cidade, Roma, ainda e sempre
vencedora do tempo e dos espíritos; mesmo que não
tenha estado lá, e que a cidade não mais exista, sabe
a marca da conquista: a primeira, e a primavera não
esquecida; orgulhoso, exibe o que sobra do corpo
e as mutilações servem como abrigo para novas
guerras e palavras vãs em esforços

V
amigos de infância trazem os presentes
ávidos da entrega em holocausto; são permitidas
introduções e modificações diversas; castigos
a que são submetidos os vencedores;

hoje o mendigo tem seu quinhão e moeda; amanhã,
na aurora, em outros campos e os raios de sol
banharão as faces desnudas ao enfrentamento
de desconhecidos e ignorados seres;

másculas espécies, novamente a espada e o canhão,
o avião em sobrevoo das terras arrasadas, olhos
eletrônicos e pés mecânicos do aparato que avança
em deslizantes saltos; os primeiros a ficar com o quinhão
do assalto: mulheres e crianças,

retorna ao tempo de espaços vagos em vitórias;
aos vencedores a acolhida e os escolhidos
gozam benfeitorias e silêncios posteriores;
o direito de não ouvir os gritos dos feridos
e as blasfêmias das famílias; mares cobrem
as terras próximas e os corpos em magia

VI
certo, disse o homem após tudo ouvido, os planos são perfeitos
e a música da vitória toca em nossos corações; tenho receio
do imprevisto, do imprevisível e da incompreensão das partes;
podem fazer perder o encanto e fagulhas queimam capítulos
das histórias; do que sobra, fragmentos e papel e letras
é impossível fazer valer a nossa vontade: estamos mortos.

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, Vol. I, Edição do Autor)

4 comentários:

  1. Pedro!

    Um poema belíssimo, quase uma via-sacra sobre nós, humanos, Crentes ou descrentes da divindade, humanos e por isso cheio de dúvidas.

    Nem tudo é perfeito como o poema!

    Beijos

    Mirze

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  2. Grato, Mirze, pela sua leitura, sempre presente. Abraços, Pedro.

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  3. Estamos mortos pela rotina feroz de nossas feridas: sangrar,estancar,sangrar.Ainda ruminam os corpos nos porões que habitam, nossa primeira visita ao que funda as leis que garantem, só mais uma palavra escrita.

    Pedro,este teu poema é feito de sangue, como toda a verdade da letra o é.
    beijo grande
    adriana bandeira

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  4. Grato, Adriana, por mais essa leitura. Abraços, Pedro.

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