segunda-feira, 10 de junho de 2019

JÓIAS - Waldemar José SOLHA


Em Seg 10/06/19 07:55, Waldemar José Solha waldemarsolha@gmail.com escreveu:
v  a jóia de DU BOIS
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Vi o “Portão do Inferno”- enorme bronze do Rodin - no jardim de seu museu, em Paris. Lá estava, dominando a porta cheia de condenados literalmente “subindo pelas paredes”, a figura de Dante – com o perfil do próprio escultor. Atrás de mim, num pedestal alto, o Dante ampliado num bronze mais forte e conciso, agora com o nome de “O Pensador”. Rodin percebera o que venho sentindo há séculos: que em toda obra de arte, o todo é sempre menor que sua melhor parte... e explorou isso. O mesmo se dá com a “Criação do Homem” no teto da Sistina, o coro do “Aleluia” no “Messias” de Hendel, o julgamento de Bebelo, no “Grande Sertão: Veredas”, Carlitos palitando os dentes com os pregos, depois de saborear o ensopado das próprias botinas em “Corrida do Ouro”. Acabo de ver o mesmo no novo livro de Du Bois - O HOMEM DESPEGADO EM OLHOS : o poema “JÓIAS”, páginas 183 e ss. É magistral a figura do ourives que ele cria, como também a de sua coadjuvante esposa. Ourives que, por certo, vem do “Profissão de Fé”, de Bilac, onde se lê, por sua vez, na epígrafe:
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Le poète est ciseleur,
Le ciseleur est poète. Victor Hugo
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Du Bois se esmera em seus versos – certamente as “Jóias” do título - , exatamente como seu modelo, que confessa:
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Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
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Como no caso do parnasiano, o poema do contemporâneo gaúcho termina em morte, Shakespeare veladamente comparecendo como aquele que “vibra a lança” – como diz seu nome– o que me lembra Ariano ao pôr em seu livro póstumo – O Romance de Dom Pantero – o nome do Bardo como Guilherme Schiabino Solha Agitalança – o que não me surpreendeu , porque em meu painel “Homenagem a Shakespeare”, da UFPB, o Touchstone que retratei foi o próprio Ariano – inteligente e engraçado como ele.
Bom, é assim que Bilac termina:
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Caia eu também, sem esperança,
Porém tranquilo,
Inda, ao cair, vibrando a lança,
Em prol do Estilo!
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Du Bois retoma esse poema - fruto de uma época – mas com os pés no chão. Em lugar de uma deusa, comparece a mulher do ourives, “a mulher que amava”, e que vemos em todas as estrofes, pois ela sempre “ia até a oficina / nos fundos da loja / e lhe trazia o chá”, ele “descansava ao lado da mulher que amava”, “a mulher amada perfumada e macia”, que “cuidava da casa / era o seu lar”, onde, ao findar do dia ele se refugiava, “para se encontrar / com a mulher que amava”,
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feliz o ourives
família feliz
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A paixão pelo elaborado labor do profissional é o mesmo bilaquiano. Linda, a primeira estrofe, onde Du Bois conta que nas jóias o ourives “elaborava o beijo/ na mulher que amava / ou o copo de vinho / durante as refeições”. Enquanto “a comida vinha em cheiros / ao finalizar a manhã”, ele trabalhava com “a balança de precisão / o monóculo de aumento / a lente auxiliar / o fogo / o cadinho”.
Detalhe que importa muito no final:
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Os clientes entravam na loja
anunciados pelo sino
colocado entre a porta
e a entrada
o ourives saía da oficina
e os atendia.
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Sino que, no final,
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a mulher que amava ouviu,
ninguém surgiu do fundo da sala
e a oficina estava em silêncio
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E, corte seco, típico de Du Bois:
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As jóias foram penhoradas
poucas permaneceram na família
e a ourivesaria foi fechada
os filhos e a viúva não tinham
tradição para os negócios.
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Difícil ser mais delicado, sensível, ourives, “ciseleur”, “poète”.
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ACABO DE POSTAR ESSE TEXTO EM WALDEMAR JOSÉ SOLHA FACEBOOK



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