sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A CASA DAS GAIOLAS - XIII

SABER

pergunto ao lado sobre o tempo
ocorrido entre estar aqui e lá,
nada responde, tanto faz
a ganância irrestrita, o lapso
impensado, o ourives e suas jóias,
a retórica e o silêncio discursados:
na resposta não havida repousa
o monstro criado ao arrepio
do alívio: ovelhas pascentadas
no desvario das palavras

sobre histórias recorrentes
avio a receita e das drogas
retiro a sobrevivência

exijo respostas: anseio saber
do tempo decorrido. A atemporalidade
me esgota.

(Pedro Du Bois, A CASA DAS GAIOLAS)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Sobre o mundo de lá
noticiam boas novas

repetida dor da mãe separada
no fragor da batalha

o interlocutor observa o ir embora
e a voz se distancia na estrada
aberta ao desconsolo

sirenes avisam do ataque
passos aceleram a fuga

sobre o mundo de lá
soam notícias de boas novas.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 19 de fevereiro de 2012

TEMPOS

Ao me dar
conta
do disparate: frio
antecipado, calor
atravessado, lavoura
perdida, carne
morta, penso
o tempo na repetição
da hora

a inteireza do universo
terrestre domado

o repetir constante
do relógio ordenado
no caos da passagem.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

CONHEÇO

Conheço da casa o centro
onde elementos se refazem
em versos. O som da verdade
e o conversar dos deuses aproximados.

Pertenço a ela e sou a constância
do pensamento linear das famílias
construídas no abafar das mágoas
em entrechoques diários: margens
do cerco ao futuro descompasso
de quem vai embora.

Sei da casa a hora derradeira dos encontros
e da chegada do estranho que me transforma:

a unidade rompida pelo estrangeiro
e a visão adiantada do progresso.

Tenho na casa a incerteza de um dia
ter estado junto e feliz.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

AMANHECER

Em pálida luz
amanhece o dia
no princípio da aurora
entre bocejos entrecortados
de realidade

sei da sua presença
na divisão do tempo:
            está comigo na imensidão
            das revisões diárias
            dos amores

amanhece: a luz se consubstancia
em clarões. Ser do dia o universo
repetido no canto dos pássaros
e na água da pia: restos da pasta
                           de dentes

amanheço dias ensolarados
entre nuvens: voce dorme.

(Pedro Du Bois, inédito)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A CASA DAS GAIOLAS

XXXVII - DIZER

A voz sorridente diz entredentes
que o país espera meu dever
que a empresa exige o cumprimento
que a família acorda
pensando no bem estar

a voz entrementes sorri argumentos
vários
variados
variáveis

onde me coloca como estuário
do rio em fúria na queda
d'água barrenta do futuro

do futuro me faço ausente
e da prisão presente
me afasto: todas as portas
abertas em oportunidades.

(Pedro Du Bois, A CASA DAS GAIOLAS)

sábado, 11 de fevereiro de 2012

SABERES

Como saber de mim
se me escondo em sonhos
nos dias transitórios
de obras e silêncios
barulhos e argamassas
colocadas no extremo
gesto da concretude?

Inocente algoz em ordens
e na face do condenado
o detalhe da simples entrega
não me faz carrasco
                  e prisioneiro
                  e da minha face retiro
                  a imobilidade do escudo.

Não queiram saber de mim: redemoinho
decomposto no exagero do espaço ocupado
pelo corpo. Tenho nas mãos a incerteza
do espírito em cada extensa madrugada.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

PUREZA

Há pureza
      pura oferta
           apurada
           em preços
                 depurados

     contém a licença obrigatória
     em fosco vidro temperado

         pureza ostentada
         em graça
         desgraça
         desgraçada
              imagem
  
possui a inteireza de caráter
em fosso áspero de saudades

                        pura ilusão
                      apurada
               na depuração
               das palavras.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

RETORNAR

Vivo na deslembrança
do espaço paralelo
onde me reencontro
ante as bifurcações
em que as decisões
me afastam do início

recupero o gesto
dispo a roupa da infância
transito amargos jardins
                     em inexistências

rasgo em torrentes águas aprisionadas
no congelamento em que me transformo
na passagem: não lembrar me liberta

no espaço vazio da inconsequência
e na indeterminação da insanidade
sou o ovo em casca: projeto

aos projetos se permitem liberalidades.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 5 de fevereiro de 2012

AVANÇAR

          Avanço sobre a terra
desnudada de significância
na árdua caminhada
inconsentida em mim

todo desatino leva
o destino ao sentido
inigualável da partida

no avançar a terra se faz áspera
e os pés em chagas reproduzem
passos desnecessários ao futuro

rasgo sobre a terra
a permanência
das propriedades
e me instalo: planta
condenada ao fracasso

o insucesso repete a sina do começo
em versos solidificados de cansaços.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

DESEJOS

O tigre dos desejos
mancha a reputação
em peles ásperas
de desencontros

a consciência ilesa
deita a prostituta
na sanha arbitrária
dos desejos

a consome em peles
desprovidas, em ascos
desconhecidos, em sedes
saciadas ao acaso

o desejo abandona a casamata
e batalha: a mortalha cobre
as manchas. Desnudada
em suores, assusta o instante
do alcance e desaparece.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

VER-SE

como vejo o velho
doente sobre a cama
do quarto
de janelas cerradas
ao dia
em estranha luz
que de fora
insiste em iluminar
o velho
na manhã
de janelas fechadas
sobre a cama
doente na dor
da luz anterior
ao corpo perdido
em quartos fechados
e ângulos diversos
na igualdade dos velhos
doentes e estendidos
sobre escuras camas.

(Pedro Du Bois, inédito)