POEMA

O poema é primeiro
e último contato
antes se instale o sono
e seus indevassáveis caminhos
que em químicas descargas
alvoroçam o tecido interior
onde desencadeiam lutas

batalhas e refregas
cobrem e oferecem
versões nuas
do cotidiano

raiva escamoteada
em caminhadas cansativas

sim e não
entrelaçados em pernas
de avanço e retrocesso

corpo submerso na ideia
fugidia de onde retorno
em insensato minuto.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 28 de julho de 2013

EXEMPLO

Quando o espelho
espelha
o exemplo

inverte o fado
e no outro lado
remexe com os autores

troca o sexo dos anjos
travestidos em demônios

do exemplo resta o início
no espoucar dos fogos
de artifícios.

(Pedro Du Bois, inédito)

SILÊNCIO

Na inutilidade
da palavra
retiro
a essência
e no silêncio
instalado
remeto
a mensagem
em olhos
abaixados
sobre a grade
da varanda

nada preciso
além do momento

apenas o gosto
o gesto
a volta
se e quando
retorno.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 24 de julho de 2013

FOZ

Estou onde o linho amassado pano
cobre as exigências com que o cargo
escondido e tosco fala: alado tempo
em que sentimentos guardam sentidos
e palavras em máquinas transitam
corredores longos - escura hora do véu
sobre a face - a partir da aurora ao amanhecido
espelho de rubros beijos despejados em dardos
e dedos em riste anunciam o impublicável

tenho nas mãos o que resta da hora
                                                 - pouco -
águas levam o resto do rosto limpo
e a toalha enchacarda dos meus gestos

suave fruição com que abro a porta
e seus passos soam o tanto da desgraça
e suas roupas amarrotadas contam os dias
com que respondo cada vez que sua voz
- de onde ou sempre - se faz lembrança e foz.

(Pedro Du Bois, Das Distâncias Permanentes)

segunda-feira, 22 de julho de 2013

PALAVRAS

Embriago-me nas palavras
                 antes sejam ditas
estão em mim
                 geradas aguardam
o instante de se mostrarem
em letras acomodadas aos termos
                                            tensos
que a trena não mede na profundeza
e encanto mantidos ilesos
enquanto bêbado
                no que me trazem
                e levam da vida
em histórias de anos tantos
na companhia de ninguém
em coisas entremeadas
nos veios das pedras: nada
refeito na mão da criança
           circunflexa água
                              da memória
no estancar do andar perdido
            embriagado renasço
ao som e graça da palavra
dita nos gritos dos amantes
mostrados e exibidos
                  em contentamento.

(Pedro Du Bois, inédito)


    

VERDADES

disfarça a verdade adocicada em palavras
engana a mente insana com que se defronta
na omissão sobre os riscos de tudo ser dito

transforma a verdade em tortura e ri do corpo
exangue sobre o banco onde mente sua vida
revista no inverossímel de sua criação

exercita a verdade agitada pelos campos
indócil espírito da não aceitação dos fatos
na espera de que os deuses o façam doente

aterroriza a verdade com elucubrações
cálculos comprovam teses e as transformam
em teorias sujeitas ao descrédito futuro

inventa sua verdade e dela bebe os dias
que o mundo é mundo e as verdades
são apenas palavras estranhadas.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 16 de julho de 2013

FRUTOS

Em frutos a árvore completa o ciclo
reproduzido no que lhe eterniza
a espécie: animais em cios
          aves em ovos
    homens em vidas refeitas
no instante em que os corpos
se encontram no êxtase sobreposto
                               ao cérebro

          o que as aves não sentem
                na visão do caminho
             interrompido em asas

máscaras escondem horas transpostas
nos rostos
       em que o gosto e o desgosto internalizam
                                            o gesto de entrega.

(Pedro Du Bois, inédito) 

DESEJOS

Seus desejos
flamejantes raios
sóis pela janela
entrantes
na busca inconstante
do entre nuvens
e do faiscante
espírito
provido corpo
e corpos
de encorpados
segredos.

(Pedro Du Bois, inédito)

OLHOS

Para seus olhos repetirem o que viram nos anos
em que as cores se transfiguravam nas melodias
cantaroladas enquanto o caminho passava entre
rosas e outras flores bem cuidadas em jardins
onde infâncias estáveis não nos avisavam
que o futuro seria difícil em acontecimentos

desconhecíamos os sentidos olhados
indiferentes na família e nos amigos

um dia outra hora no convite o conceito
o espaço em branco diante dos amores
que se apresentariam nas fases e faces
esculturadas no sorriso das crianças
que não fomos e mentíamos ser
na metade da semana interminável

seus olhos foram o norte e o aporte com que cresci
em lampejos de obras inúteis e orações apaixonadas

na estrada a estada e o estádio vazio de horários
antes e depois de jogados os dados e os dardos
acertados fossem o alvo cravo murcho do passado.

(Pedro Du Bois, inédito)

IMIGRANTES

Aquelas pessoas vieram
de longe
     porque longe
                 nada tinham

apenas elas
apenadas almas
em corpos aprisionados
de vergonhas
           fomes
   e desesperança

vieram de longe
pelo que lhes prometeram
                      em mentiras
                      e esperanças

desencontradas pessoas
abandonadas em novas terras inóspitas
esvaziadas de seus passados.

(Pedro Du Bois, inédito)

PERIGO

Reunidos leitores
no circo lotado de trôpego
povo cujas vistas abaixadas
dizem do sofrimento

          no picadeiro
               em grupos
                     crianças observam
               a plateia

a voz anuncia cada leitor
                            que se apresenta
em aventuras e histórias
      enredos geográficos
      letras taquigráficas
códigos
   parágrafos
          romances e epopeias
cartas circulares
instruções
e bilhetes anônimos
                 notícias
                     desmentidos
poemas e cálculos

as crianças se retiram
cientes do perigo.

(Pedro Du Bois, inédito)

CÓPIA

Na parede a gravura
exposta fosse o original
multiplicar a paisagem
em retratos

não há o toque
a tinta
o arremate

nem o pintor se afasta
o necessário
     para ver a obra

mera fachada fechada
em si O reflexo do vidro
traz a face de quem se olha
na passagem.

(Pedro Du Bois, inédito)

AMORES

Sim, sou náufrago seco em versos
vaso despossuído em terras aradas
e os arreios com que me prendo
impávido animal terrestre

só não sou espaço
que a vertigem
tolhe meus passos

nem submerso instante
de seres em guelras tranversas

no bolso o dinheiro da venda
e mãos trêmulas na entrega

sim, sou o coração sangrado
onde o infausto se faz condizente
com o corpo movimentado
sob lençóis tão limpos

na mão direita o sincopado som
do exterior comprimido e composto
em desgraças e alegrias fúteis.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 2 de julho de 2013

PALAVRA

Estando a palavra
                      muda
          batem em quem não diz
                                      nela
          sua verdade pessoal

o silêncio ecoa vales
em que nada valemos
sem o som da palavra
gritada em oração

mudo a palavra
para ter seu silêncio
             desentranhado.

(Pedro Du Bois, inédito)