domingo, 30 de setembro de 2012

A CASA

A casa fecha suas saídas
dentro
        sufoco
na repetição das imagens
         refaço
a ideia do trajeto
          repito
o gesto desamparado
de estar preso

              abro o possível
              e me distancio
              em arcos
                    acessíveis
              ao estar vivo

a casa fechada em saídas
sustenta minha vontade
em repetições.

(Pedro Du Bois, inédito)

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

ESTAR

Perdido em florestas úmidas
de regressos deixo ficar
o tempo desnecessário da angústia
com que amores mal conduzidos
serenam ânimos e desprezam
corpos conhecidos: participo
da hora e na guerra minha mão
defende a honra e a pátria
agradecida retorna em ondas
descumpridas: ingratidão
sobreposta ao ânimo. Naufrago
mares de águas rasas e na claridade
do fundo vejo peixes embora
meu corpo decomposto retorne
à superfície. Refaço o caminho
revisto no interior do nada
de onde retiro o que preciso:
a necessidade embute a saudade
e a revela em murmúrios
de sonhos irrealizáveis.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

ESPETÁCULO

Diz da vida
        o espetáculo
apequenado

a vida em subterfúgio
corta a passagem
do espírito incorporado

o peso gravitacional
segura o espetáculo
em curtos saltos
e algumas cambalhotas

ao acrobata cabe
reduzir o atrito

(que)

na fuga o ar
pesa ao contrário.

(Pedro Du Bois, inédito)

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

DOBRAR

A dobra esconde o todo
reduz o gesto no mínimo preenchido

destoa o barulho
na consequência
do feito

dobra o corpo em reverência
ao espírito autoritário dos dias
em que se desdobram ritos
alterados em silêncio
ao longo do caminho.

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 22 de setembro de 2012

COMER

Repouso o olhar
na mão que introduz
o pouco

a suficiência da permanência
quase nada do desgosto

agastado tento alcançar
o pulso, em retirada
procuro seguir a ideia
de ir embora

o corpo se debate em grade
jogo a comida fora

faminto me descubro
ignorado sob o pano
escuro dos esconderijos.

(Pedro Du Bois, A CASA DAS GAIOLAS, V)

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

TESE

Apresenta a possibilidade indiciada
de o fato acontecer sem ser ao acaso

no trabalho pesquisa
a ordem natural do ocaso

a pesquisa traduz o fato
em repetições estéreis

na possibilidade concretizada

reduz o fato ao seu significado
e o transforma no objeto
perceptível do acaso

na demonstração o fato
se multiplica em esquecimentos.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 18 de setembro de 2012

RESPOSTAS

Quando me perguntam
se nada vale a pena
costumo responder

sempre há o que lembrar
nas sextas-feiras

após os demais
irem dormir
seus sonhos.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 16 de setembro de 2012

ENLOUQUECER

para as pessoas
enlouquecidas
em vozes interiores

escrevo
querer apenas
ouvir
a minha voz

o silêncio constrange
desarvora
apavora.

(Pedro Du Bois, A CASA DAS GAIOLAS, XLII)

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

IMITAÇÕES

Sobre os animais pouco diz
                   imita suas falas
                 imita seus gestos
     dorme sobre a pedra
     dorme sob a casa
           corre em direção ao seu dono
                              morde o seu dono
                                   trai o seu dono

sobre os animais conta histórias
de tempos anteriores: justifica
os atos praticados

              amarrado pelo pescoço
              é deixado junto à porta.

(Pedro Du Bois, inédito)

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

REFLORESTAR

Refloresto a vida
em arbustos
que não impeçam
a visão da vinda

a luz incide
sobre a calçada
onde passeio

a escuridão da pedra
tomada pelo centro
inibe o reconhecimento
do trabalho feito
para o sustento

a vida reflorestada
em significados
concretados ao meio
onde vivo.

(Pedro Du Bois, inédito)

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

COMEÇO

Vasos: meros apetrechos
de povos inaugurais da arte

mulheres moldadas
repetiam em barro
a renovação

a espécie em que a terra
fornece sua força e a recupera
em plantas repartidas

as mulheres emolduradas
em cavernas sabiam
da terra retirar o alento.

(Pedro Du Bois, inédito)

sábado, 8 de setembro de 2012

FALAR

Desligo a tela
o silêncio obscurece a sala

o lado principia
a fala onde me calo

no todo percebo
o não entremeado

atento ao sentido
percebo a luz: encaminho
o corpo ao descanso

o lado ao lado
prenuncia a tela descolorida

verdade seja dita: no antigo continente
pássaros ressurgem em telas desligadas

todos os lados presentes
falam ao mesmo tempo.

(Pedro Du Bois, inédito)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

SOPRO

Pelos séculos lembrada
a pedra permanece imóvel

dentro, o sopro trazido
não realiza sua troca

por milênios não lembrada
a pedra permanece à espera do contato

dentro, o sopro se desfaz
em gases aprisionados

pelos tempos desconsiderados
a pedra permanece ao alcance do toque

dentro, o sopro se reserva
no direito de ficar

pelos instantes contados em horas
a pedra permanece enquanto pedra

dentro, o sopro do corpo
é mensagem que sucumbe à água.

(Pedro Du Bois, inédito)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

FIBRAS

O animal se adianta
ao grupo

cheira o inerme corpo
indisposto no caminho

reconhece o gosto
ataca
e repele o grupo
de onde se destaca

o animal satisfeito
se retira

         o grupo
busca nos ossos
a última fibra.

(Pedro Du Bois, inédito)

domingo, 2 de setembro de 2012

ESCOLHAS

O retorno materializado
no encontro da bifurcação:

        repete as decisões
        em sentido oposto

reencontra a decisão alternativa
onde se reporta ao lado oposto

unifica os lados
e volta ao início

                vive
                ou morre
                     nasce
                     ou morre

no retorno: reencontra o espaço
desperdiçado em escolhas
e o recolhe ao contato
com que o útero
frutifica a espécie.

(Pedro Du Bois, inédito)