segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

ANTENAS

Sobre o cantarolar dos pássaros
digo seus destinos: faltam árvores
da geração anterior, sobram espaços
metalizados em concretos: passam sons
e imagens

....................(por isso
......................os gritos).

(Pedro Du Bois, Quinta Poética, Casa das Rosas, 26.11.2009)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

VIR

...
o soluço do menino desconta
o medo surgido ao acordar
e se ver sozinho no escuro
onde pode se julgar
o último remanescente
das coisas acontecidas

dizem que dos outros ficamos sabendo
apenas o que está escrito nas lápides
entre as datas de nascimentos
e mortes

ressoam desígnios
em desejos
e nas assinaturas
caligráficas retidas
em metal sobre a pedra
...

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, vol. VI, fragmento, Edição do Autor)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

COTIDIANOS

Procuro entre os bichos,
à venda na loja, um para ser
meu companheiro.

Gatos, cachorros, pássaros,
sujos e barulhentos.

Grandes e fedorentos.
Trabalhosos.

Peixes, tartarugas, animais
aquáticos, silenciosos.

Arrisco o olhar aos macacos
inquietos em suas gaiolas.

Antes de qualquer gesto, desisto.

Saio da loja como entrei, sozinho,
na certeza de que não conversariam comigo.

O papagaio, repete.

(Pedro Du Bois, COTIDIANOS, Edição do Autor)

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A CONFIGURAÇÃO DO ACASO

Pula sobre a calçada
em pés de dança

a brincadeira criança
descompromissada:

ouve o chamado
e não responde
ouve o grito
e se esconde
ouve o rangido
do portão aberto

pula sobre o piso concretado
do quarto escurecido
ao silêncio: castigo.

(Pedro Du Bois, A CONFIGURAÇÃO DO ACASO, III, Edição do Autor)

domingo, 20 de fevereiro de 2011

LUÍSA

Ao futuro aventura-se.
A beleza exterioriza
a vontade: interioriza o belo.
A consistência amorosa
na (re)visão da solicitude:
berço transformado
no ir e vir em sorrisos
e descobertas. Apreender
da condição o espaço
ao contorno: o avanço
das palavras elevadas
ao conhecimento.
O amor no carinho
e amizade de hoje
e sempre.

(Pedro Du Bois, Luísa, Edição do Autor, 2008)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

RETORNO II

...
desfazer o que chama tempo
subdividindo-o em etapas
alternadas de ir e voltar

enfatizar o ir, desdobrar
as voltas: tornar longe
o que teve de início
...

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, Vol. VIII, fragmento, Edição do Autor)

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

ONDE

onde lavar o corpo do pecado?

ignoro a resposta
imagino a água rasa
da vasilha

entorno o líquido
sobre o papel absorvente
das notícias

o corpo sujo contém essências
de vidas ultrapassadas

lembro o lago
o riacho
e o balde extravasa
raivas acumuladas.

(Pedro Du Bois, A CASA DAS GAIOLAS, IV, Edição do Autor)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

BREVES GESTOS

Sons argentinos punham medo
em minha infância. Agora
me deixam irado na cantilena
dos vendedores de gás.

Tempos de mudanças
banalizam mitos
atropelam ritos
desamparam em frustrações.

Ainda tenho o pássaro constante
menos mavioso
mais angustiante
na antevisão de sua extinção.

Perco os mitos
nada ganho em troca.

Não aceito os ritos
passados entre gerações
na perpetuação da espécie
pela tradição.

Estou perplexo na planície:
sem saber o que fazer
sem ter a quem rezar.

Como a ave que ainda canta
me angustio diante do enigma:
me encontro como humano
ou pereço em explosões cibernéticas
na ignorância da nova barbárie
em extensão solar.

(Pedro Du Bois, BREVES GESTOS, Edição do Autor)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

O LIXO REVOLVIDO

O que o destino traça
traga
draga
com a força
da sucção

lá vamos nós
de novo
novos
velhos
sendo engolidos
como lixo jogado
fora

o destino destraça
nossa história
no todo dos dias
em que não somos nós.

(Pedro Du Bois, O LIXO REVOLVIDO, Edição do Autor)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

PROMESSAS

...
não incluem olhares com o canto dos olhos
por onde fluem os pecados
e os reconhecimentos tardios
de quem teria sido

após as negociações e o acordo
são determinados os pares
das promessas vazias
desconhecidas umas das outras:
o avesso e os que sabem do que falam

otários de séries menores
falsários dos próprios óbolos
que não podem se desfazer do todo
nem da metade: a outra metade
...

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, Vol. VII, fragmento, Edição do Autor)

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O COLETOR DE RUÍNAS

Em recorrentes sonhos
das pedras leva os passos
e das árvores retira os frutos
desprezados nas vezes anteriores

presente angustiado
no passado afeito
à decomposição na exatidão
com que as novidades se dispersam
em automóveis e eletrônicas comunicações

sonhos permanecem na materialidade
e restantes gestos guardam
o inesquecível.

(Pedro Du Bois, O COLETOR DE RUÍNAS, 5, Edição do Autor)

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Razões

Ao menos pudesse
esquecer. Fosse da imagem
a sombra. Relíquia:
..................................eco esmaecido
..................................da palavra soletrada
..................................em entrelinhas. Ao menos
fosse a desconfiança sobre o crime
sugerido ao carrasco: não o motivo
arbitrado em cena. A deslealdade
fabricada ao extremo
da fortuna: lançar o corpo
ao espaço
entre cordas: ouvir o tempo
deslocar o significado
da vida aos gritos
inocentes.

(Pedro Du Bois, DESNECESSIDADES REENTRÂNCIAS & ALGUNS REINGRESSOS, Edição do Autor)

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

RESPOSTA

Quem somos
nesta luta insana
incessante
procurando encontrar
alguém errante
igual
mesmo inconstante.

Quem somos
assim errantes
cortando os ares
a sobrevoar os montes
entreolhando feras
que do chão nos olham.

Quem fomos
nesse tempo todo
abarrotado de razões
vazios de sentimentos
sem encontrar
quem nos olhasse a fronte.

Quem seremos
sozinhos abandonados
insensíveis ao frio
calor termômetros
se galáxias além
não tivermos alguém.

Cavaleiros alados
justiceiros inacabados
tristes remendos humanos
nascidos honrados
fugitivos no universo errado

Erramos gestos sentimentos
formas entretenimentos
horríveis ao receber
socos cinematográficos
pálidos porcos no abate
ao contemplar nossa eternidade.

(Pedro Du Bois, (A)MOSTRA, Edição do Autor)

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

AMANHECER

Gosto de assistir a cidade acordar
em luzes apagadas
barulhos típicos
pessoas pelas calçadas
carros pelas ruas

a passagem do caminhão
do jornal: mesmo que as notícias
tenham sido veiculadas
na noite anterior

não existem leiteiros
quase não há padeiros

raros pássaros surgem ao alvorecer
raríssimos gatos somem

cachorros perdidos correm
entre os carros e eu
sem saber para que lado ir
completo a luz da manhã
e torno alba a minha dor
em outra manhã sem ti.

(Pedro Du Bois, OS CÃES QUE LATEM, Edição do Autor)