segunda-feira, 29 de novembro de 2010

CONVERSAR COM O MENINO

Posso dizer ao menino não cresça e permaneça estático
que as horas vindouras são más em destruições e mortes:
o menino responderia que a morte o alcançará como criatura
em brincadeiras e aprendizados: posso dizer ao menino ser
indesejável o modo como se tornará utilitário: o menino
responderia aceitar o risco se souber das finalidades:
posso dizer ao menino ser a finalidade o oposto da liberdade
e as respostas simétricas sobre a mesa absorvidas em fomes
aborrecidas e em sedes não saciadas: o menino responderia
serem as formas avessas do destino as brincadeiras
em cada manhã não assoberbada de afazeres: digo
ao menino não fugir da altura imposta ao salto
e permanecer sobre as pedras onde o concreto
substitui o sonho e ao sono não é permitido o acordar
risonho: asseveraria o menino sobre misérias e mistérios
e o desconhecido traçado dos anos passados em progressos:
ao menino conto sobre verdades aleatórias e mentiras
mensuradas em trajetos: o menino não saberia me dizer
da infância incorrigível em papéis de balas e da parafernália

do seu mundo obtuso reformulado em lógicas matemáticas:
o menino não aceitaria a minha palavra de fiança
e garantia e quereria a vida como prova da vivacidade
a demonstrar em gestos a vaidade do pássaro em vôo
além da irresponsabilidade da formiga em marcha: sobre
a morte diria o menino ardem segredos sem norte e hodiernos
transportes iludem as paisagens e o desdobrar do barco
na água repete a passagem: ao menino não caberia
a responsabilidade pelo crescimento em sobriedade
que à seriedade se transfiguram monstros
nas cavernas da memória: sobre afeições diria o menino
repousam ácidas questões irrespondíveis e das raridades
são ouvidos rasgos de coragem: a coragem grito eu ao menino
requer discursos e estratégias que ao medo sobram táticas
e explicações: sim balbuciaria o menino cansado do trajeto
na curta instância entre os medos impostos em cada reprimenda
na equiparação das partes e desde já pequeno e menino
se declararia em paz com as oferendas: das oferendas

vejo o menino traduzido em luzes inescapáveis
ao distanciamento: aos dias faltam espaços preenchidos
com bondades e aos adultos restam noites vazias
de utilidades: somos úteis e aos meninos
se oferecem liberdades completadas no fechamento
anterior ao espaço: todo percurso é o soçobrar
do barco: das águas finalizaria o menino surgem desconfortos
em cansaços e a insegura sensação da imobilidade: flutuar
ao menino adormecido pode ser o maior pecado.

(Pedro Du Bois, A NECESSÁRIA PARTIDA, Vol. II, Ed. do Autor)

sábado, 27 de novembro de 2010

A LEVEZA DO TRAÇO

Na poesia
desenho

sentimentos em palavras
amores em palavras
paixões

o traço exibe
as curvas
carrega cores

amizades em cores
mulheres em curvas

na poesia
rabisco

e o desenho se apresenta
nos olhos de quem o vê.

(Pedro Du Bois, A LEVEZA DO TRAÇO, Ed. do Autor)

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O NASCER DOS ARES E DOS PÁSSAROS

Suficientemente tolos para acordar em cada dia
e de imediato lembrar o anterior e sofrer o próximo

os dias se sucedem em lástimas e glórias
e lástimas vergastam e glórias são efêmeras
como o voo do pássaro menor e o bater das asas
do rouxinol que pensa e canta seu grito
de apresentação e lembranças

antecipamos lembranças de dias futuros
estivéssemos na antecâmara do mistério
e ele nos fosse revelado previsível
nos detalhes
nas nuances
nos pensamentos
ruins e bons do que esperamos
que aconteça
sem mudar o sentido
sem que o sentimento acabe
antes da aurora que ilumina os corpos acordando
encostados como em grossas escoras no sustento
do alento que se esfumaça ao primeiro vento
pela janela aberta ao canto do pássaro
e às asas do colibri no frenesi estático
ante a flor cobiçada em alimento.

(Pedro Du Bois, O NASCER DOS ARES E DOS PÁSSAROS, 37, Vol. II, Ed. do Autor)

terça-feira, 23 de novembro de 2010

DIAS

Dias em que nuvens superam o horizonte
e voltamos para dentro, caramujos caseiros
desdenhamos luzes e nos recolhemos ao sal
que nos desmancha, enfeitiçados
no verde que da mata nos observa
em silencioso silvo da serpente
que nos acorda em lágrimas
silvestres de amostras
e telhados pontilham azuis
celestes do outro lado: gargalham
vozes inconsentidas no encontro
sutis de toques com que se fecham
as conchas: dias no infinito ardor
emparedado aos bilionários anos
de sagrações e esperas: antes
líquidos em demonstrações de afeto e graça

dias intercalados entre cercas recém fechadas
e o espaço vago das canções anteriores
nas vozes das sereias transformadas
em afeições profundas: frias águas cobrem
as esperas, raspam o fundo onde escrevem
algaravias descoloridas em passatempo;
residem tempos perdidos aos óbolos
não entregues, rugem tempestades,
feras incandescentes ao corpo na entrega
pegajosa das mentiras: ordens e desditas
as predições da cigana ecoam mares,
ressecam florestas

pelo caminho cartazes pedem o fim
das escaramuças: o caramujo indolente
ao tempo e ao sabor das coisas segue
riscando seu caminho fora da órbita
dos satélites, evoluem planetas vazios
de ocupações primárias, portas abertas
ao contato no atendimento aos seres
descobertos e mostrados; ao todo se permite
a entrega antes proibida: chegado tempo
das descobertas, portas fechadas não permitem
aos efêmeros e aos definitivos sairem
a vislumbrar a vista entrevista ao longe

longe refulgem raios de dias incontáveis
trajetórias de amanheceres e anoitecerem
corpos agasalhados em palavras ditas preces
em voz baixa que aos deuses cabe a atenção
perene das promessas e pedidos, cobram
desfeitas e dos bens apurados repartem
sonos em sonhos e vazios a que dão nome
de tempo desenfreado, desatinado
ao crime e ao castigo ofendido em atas

conseguem do mistério o entendimento
e fazem poses a perpetuar em fotografias,
estanques momentos desentranhados
em doença vislumbrada na febre
a turvar os olhos e a fazer o frio
do corpo onde aninhada a dor
se curva ao cansaço ciente
das histórias: o caramujo
avança sua casa entre pedras
e isolado concede ao espaço
a sua presença

sempre há quem se desentende e se desarvora
na passagem: o medo perdura enquanto noite
em nossas auroras, o menos aumenta sua urdidura
e acordamos em prantos por não sabermos a saída
e o engodo sobre nossa cabeça fornece o combustível
aos desenganos; nas mãos as respostas não vistas
nas translúcidas cerdas que ecoam o início
e nos trazem recordações vazias
dos olhares embaçados
entre o invernal dos outonos

tempos colocados sobre a mesa, disputadas rixas
e guerras vencem os espúrios cantos das sereias
serenadas em pedras sejam bruxas petrificadas
em fábulas desmoralizadas nos prazeres negados
à carne, o cerne ressurge encadeado ao gosto
no extremo gesto do perdão avolumado
à nossa porta: aberta, saímos ao vento
e perguntamos sobre a família, cores
e dores mínimas enquanto presos:
caramujos ressurgem em trajetórias
deslizantes sobre gosmas: caminhos
percorridos pela humanidade
não fossem secos passos e curtos
cumprimentos em que nos desconhecemos

dias despertados em músicas, a paisagem
retorna cores angustiadas dos dias, luzes
acesas em naturais ornamentos: paixões
buscadas em corações não abandonados:
certo e errado entrelaçados em faces
acobertadas na busca do etéreo e eterno
grito da saudade deixada sobre a mesa
para que ao sentarmos saibamos vê-la

dias em que os caramujos
lentamente avançam suas casas
e deles retiramos o engodo
e a gradativa forma da morada.

(Pedro Du Bois, POETA em OBRAS, Vol. V, Ed. do Autor)

domingo, 21 de novembro de 2010

DESTINOS

Tantos destinos
João Pessoa
Curitiba
Florianópolis

Sarandi florido na primavera
assoreado Passo Fundo
poluído Porto Alegre
dos casais

que Santa Maria
mais nau
que mãe
me leve ao Porto Seguro
ou ao Porto de Galinhas.

(Pedro Du Bois, CASA EM PEDRAS, Ed. do Autor)

sábado, 20 de novembro de 2010

CONSTRUIR

Um poema no Jornal de Santa Catarina.

http://www.clicrbs.com.br/jsc/sc/impressa/4,183,3115011,15935

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A CASA EM PROCURAS

Do escuro surge
não traz a luz
nem a revelação

na esquina espreita
não diz palavras de paz
nem de consolação

invade a casa
não traz amor
nem abre o coração

no escuro vive
dispensa as luzes
e evita clarões.

(Pedro Du Bois, A CASA EM PROCURAS, Ed. do Autor)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O DIA (A)FINAL

A fotografia tremida imagem
não percebida: luares dançantes
de apaixonados; cenas terminadas:
não se esqueça de sorrir, de especular
o olho à paixão. Não fotografe
cenas incomuns: a vida
repetida em barulhos. Treme
a imagem e a configura ao tempo
da finalização. O canto
sobrepuja o dia de discursos.

(Pedro Du Bois, O DIA (A)FINAL, 2, Edição do Autor)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

NOITES DE VERÃO

Deito, apago a luz, reviro-me na cama.
Ligo a televisão, espero que algo aconteça.
Busco auxílio na imaginação, suspendo os pensamentos.

Levanto, busco um copo d'água, refresco-me.
Vou à varanda, olho as nuvens em passagem.
Volto para a cama. Recomeço.

Paisagens encantadas,
corpos de mulheres,
sorrisos escancarados,
barulhos no jardim.

Não era isso que eu pretendia
quando cheguei. Pensava
dormir. Adianta pensar?

Recolho-mo, insone, rompo
a madrugada. Bogart e Ingrid
repetem interpretações,
o chefe de polícia, olha.

No amanhecer, adormeço.
Pesadelos, enfim.

(Pedro Du Bois, AS PESSOAS NOMINADAS, Ed. do Autor)

sábado, 13 de novembro de 2010

VERDADES & MENTIRAS

...
por isso o canto
na voz da mulher
não amada
triste da passagem
rápida da fama
e do descaso

avança palavras
na essência
e volta ao anonimato
onde ciências pesquisam
novos gritos
cores
pássaros em substituição
aos extintos
ressurgidos
fênix encontrados
na próxima feira
de abjetos
...

(Pedro Du Bois, VERDADES & MENTIRAS, fragmento, Ed. do Autor)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O NASCER DOS ARES E DOS PÁSSAROS

A necessidade de se fazer ouvir:
ressentido das palavras ouvidas;
surdez consciente, onírico pássaro:
gritos, grita e recebe o retorno,
entorno da face em olhos claros,
resplandece o instante em que olha;
presente nos instantes das fotografias
disparadas na abrangência da cena
e do que há atrás do palco,
bastidores necessários ao ensaio,
cenários e o espetáculo

ouvidos servem à conveniência do momento,
atravessam a plateia e tem ao fundo o contracanto,
o palco freme novas sequências: o enredo
desdobra histórias de mesmos textos,
diversos, desconexos, inversos
em versos ritmados de bocas fechadas,
mímicas e mínimas frases descobertas ao acaso;
acesos olhos compreendem e se fecham

aos ouvidos os sons dos espaços vagos,
entorno das palavras, ecos da natureza,
pureza com que mulheres entregam suas lágrimas;
mentira com que nos cercamos em fantasias;
alvos atingidos, portentosa seta dirigida ao alvo,
concentração de tons: graves, agudos, atonais;
tonalidade em descoberta gravidade
com que verdades são proferidas: agudas

ouvir os sons do riacho, vagar entre pedras,
o limo e as plantas subaquáticas;
desenhos sobre a água, o redemoinho,
moinho movido e o barulho estático das pás;

onde o coração apaixonado na hora
em que o som se estabelece em segredos,
calma apaziguando ares: a hora é aquela,
não o interstício entre uma guerra e outra,
a clareza da água em sua profundeza,
som multiplicado em vasos intercomunicantes;
mesmo líquido repassado, som passado
ao ouvir a diferença entre os dias.

(Pedro Du Bois, O NASCER DOS ARES E DOS PÁSSAROS, 2, Vol. I, Ed. do Autor)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

DOS AMORES

Sem nem me olhar
disseste "meu bem"

nem me olhando
reconheceste "meu bem"

rubor
embaraço
risos amarelos

voltaste teu olhar
desconhecendo "meu bem"

ficaste me olhando
fosse eu "meu bem".

(Pedro Du Bois, DOS AMORES, Ed. do Autor)

domingo, 7 de novembro de 2010


POSTIGOS, poemas de Carmen Presotto, com lançamento em 12.11, 20 horas, na Livraria do Argumento, R. Dias Ferreira, 417, Leblon, Rio de Janeiro.

sábado, 6 de novembro de 2010

SOBRE A TEMPORALIDADE

Passado ano
quando nos encontramos
e dissemos saber do futuro

ciganas espertas
leram nossa sorte e nos mantiveram
ansiosos em traços manuais

a descoberta de que o passado
presenteia o futuro

em anos ultrapassados
nos dissemos cientes do futuro

quando percebemos que iríamos nos separar:

encontros cancelados em trabalhos
e realizações: desencontros em sinais
trocados: contar os dias

fazer de conta que lembramos

em anos atrasados nos dissemos
futurísticos seres dos amanheceres

estátuas em sais: amargamos
sermos nossos destinos

quando da decisão inócua
imagens retornam em sonhos

quando não lembramos os sonhos
somos vazios em indiferenças

anos atravessam passados movediços
e nos depositam na solidão da casa

vislumbramos ser o futuro
gesto desmedido da saudade.

(Pedro Du Bois, a necessária Partida, Vol. I, Edição do Autor)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A ÁRVORE PELA RAIZ

Tem a seiva
alimento
a formiga presente
o cupim ausente
o sentimento da criança
posto em frutos
e amadurecimentos:
sobre o despencar da fruta
repete: ao pé
da árvore
permanece.

(Pedro Du Bois, a Árvore pela Raiz, 5, Edição do Autor)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

FORA DE HORA

A palavra
amarga a boca
(mal)dita
na hora errada.

Travo.
Fel.

O olho
obscurece a vista
na negativa
do olhar.

(Pedro Du Bois, PASSAGEM PLURAL, Edição do Autor)